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O Segredo de Minerva

cover_front_bigA cidade de São Paulo completou, nesta semana, 463 anos de fundação. Já é, portanto, uma senhora de respeito. Não estive a par das comemorações, mas invariavelmente são as mesmas coisas todos os anos. Parece que, nesta vez, a novidade foi a volta do Bolo do Bixiga, que havia parado por falta de patrocínio. Feliz ou infelizmente, a população não o despedaçou em questão de minutos – pelo contrário, civilizadamente, cada qual recebeu um pedaço. No fundo, tanto quanto a tradição de sempre fazer um bolo maior do que no ano anterior, havia também a graça (ou o horror) de contabilizar, em centésimos de segundos, o tempo que o bolo seria devorado pela multidão.

Para quem não conhece, esse Bixiga é também a Bela Vista, antigo bairro de imigrantes italianos, colado à Liberdade – outrora também um reduto de estrangeiros (japoneses, em sua maioria). Hoje, esses bairros centrais têm ocupação bem mais popular – sendo, aqui e ali, pontilhados de moradias coletivas (cortiços, como a tal “Saudosa Maloca” cantada pelo querido Adoniran Barbosa).

É nessa São Paulo mais do que quatrocentona, mutante e tão cheia de detalhes que se passa “O Segredo de Minerva”, do estreante Fernando Cilio. E Sampa está tão intimamente ligada ao desenrolar deste romance policial-esotérico que já nas primeiras páginas troca a condição de cenário pela de personagem a ser decifrada, quase protagonista, das venturas e desventuras de Matheus e Maria Eduarda – dupla que preenche as mais de 300 páginas do livro.

Cilio foi generoso em partilhar com seus leitores o resultado de suas pesquisas em torno dos muitos símbolos maçônicos e religiosos espalhados pela cidade. Usando-os, tanto os ocultos quanto aqueles do tamanho de um prédio, o autor teceu uma delicada, intrigante e saborosa rede de implicações, em um jogo que conduz o leitor pelos muitos labirintos da metrópole. Por isso, é preciso fôlego e atenção para acompanhar a história, que, por vezes, adota ritmo de videoclipe, enquanto, outras vezes, é professoral e didática, ensinando-nos o que, em outra parte, não aprenderíamos sobre a história da igreja romana ou sobre a maçonaria – duas das instituições igualmente presentificadas no texto (a polícia paulista também ganhou destaque nesta história escrita por um advogado que já foi policial – e que entende de vinhos e de alta gastronomia como poucos).

Aliás, quem conhecer o autor pessoalmente, que mantém uma pequena e charmosa adega na agradável Águas de São Pedro, no interior paulista, pode adivinhar algumas notas biográficas no personagem Matheus – e talvez esboçar, aqui e ali, um pequeno sorriso maroto. Certamente valerá a pena pensar quem seria cada um dos outros personagens, se a vida imitasse a arte – e não o contrário. Mas não é preciso conhecer o autor para reconhecer-lhe o talento na construção desses personagens, no uso dos cenários e, principalmente, na formatação das muitas cenas de ação – dignas de filmes hollywoodianos.

Numa São Paulo carente de áreas verdes, o autor, simbolicamente, começou e terminou sua trama em dois importantes parques paulistanos. Por falar em terminar, lembro-me de, na primeira vez que li, não ter gostado nenhum pouquinho do final: achei-o fora de contexto. Na segunda vez, contudo, compreendi o desfecho e o entendi como uma ideia brilhante e, ao mesmo tempo, surpreendente – e que permite imaginar que há muito mais história para ser contada. Ainda bem.

Autor: Fernando Cilio

Título: O Segredo de Minerva

Editora: Clube de Autores

ISBN: 9990051870688

Páginas: 363

 

Ano novo, novos tempos

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Por Luís Fernando Praga

Que eu consiga viver sem prejulgar,

Que eu não queira igualar as diferenças,

Que as diferenças sirvam pra somar,

E que por elas, refine as minhas crenças.

Mas que eu não feche os olhos pra desigualdade,

Não me proteja em palavras omissas,

E seja solidário na dor da humanidade,

Que me doam na carne as injustiças.

Que a vida continue uma surpresa,

E eu não me frustre na desilusão,

Que eu entenda que tudo é natureza,

Que eu não machuque nenhum coração.

Mas que os corações que eu machucar,

Percebam com o tempo, a minha humanidade,

Que não carreguem o peso do pesar,

E cada cicatriz revele uma verdade.

Que eu nunca veja amar como algo errado,

E não me porte de forma mesquinha,

Que eu veja um lado bom pra todo lado,

E que se eu odiar, que seja de mentirinha.

Que eu saiba dar valor ao bom humor,

Que as amizades sejam os bens mais caros,

Que cada espinho esconda muita flor,

E que os abraços sejam menos raros.

Que as pessoas encontrem sua arte,

Que nos seja uma meta a utopia,

Que a tolerância reine em toda parte,

E a guerra perca a guerra pra poesia.

Que eu saiba ser humilde pra saber,

Da minha imensurável pequenez,

Mas que eu jamais me furte de crescer,

Rompendo meus limites quando em vez.

Que eu tente intuir, mas com ciência,

Que não veja na morte uma vilã,

Que cada um amplie a consciência,

E a vida venha vindo menos vã.

Que o novo ano que me envelhece,

Não seja tão igual aos outros anos,

E que apesar da imperfeição de espécie,

Possamos ser perfeitamente humanos.

Reaprendendo a ler notícias

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Por Jorge Alves de Lima

A revista Veja e o jornal O Estado de São Paulo, também conhecido como Estadão, foram dois dos noticiosos que fizeram parte do final da minha infância e do começo da minha adolescência, graças a uma prima que trabalhava em um consultório ginecológico e os trazia para mim. Por obra divina, o médico não assinava a Contigo, uma revista de fofocas, e nem existia a famigerada Caras – publicações mais comumente encontradas nas salas de espera e que certamente teriam castigado minha formação enquanto leitor de notícias.

Depois, cheguei a ser leitor regular da Folha da Tarde e do Jornal da Tarde – conhecidos por terem um ar mais descontraído. Também assinei a revista IstoÉ, de notícias, além da Playboy – segundo amigos e inimigos, fui um dos poucos leitores das matérias escritas da revista, pois muitos se interessavam apenas pelos ensaios fotográficos. Há controvérsias. Verdade é que eu gostava de revistas, por isso, fui leitor regular de Exame, Casa Cláudia, Mundo Estranho, Superinteressante, Caros Amigos, Cult (dessa, tenho muita saudade), Bravo, Seleções, Projeto, Urbs, Época e Você S/A.

Apesar de ainda acompanhar com alguma regularidade diversos meios, confesso que, dentre os veículos escritos, acostumei-me de vez ao padrão da Folha, que procura atrelar comentaristas/colunistas aos assuntos, formando o binômio notícia e opinião, que, comigo, tem funcionado bem. No formato revista, porém, as publicações da Folha beiram à futilidade: a revista que circula aos domingos até melhorou bastante, mas aquela Serafina (mensal) é de doer…

Sem nunca ter sido assinante, lia frequentemente e gostava muito do finado Jornal do Brasil (e sua ótima revista dominical) e ainda leio, quando posso, O Globo. Porém, sendo revisor de texto, o tempo para ler periódicos foi ficando escasso, ao passo que ficou mais fácil seguir as notícias pelo rádio e, claro, pela internet. Ainda assim, atualmente, sou leitor-assinante da Folha. De uns tempos para cá, tenho ouvido muito sobre a questão de a mídia estar vendida para este ou para aquele lado; daí que resolvi experimentar: assinei, mesmo sem conhecer, a revista CartaCapital.

Ocorre que, por engano, junto com a terceira remessa – que acabou de chegar aqui em casa – veio também um exemplar da revista Veja, devidamente acompanhado da Veja em São Paulo (a Vejinha).  Uns vinte anos atrás, isto seria o mesmo que acertar na loteria: ter duas revistas para ler no mesmo final de semana! Mas não desta vez: não me interessei nem mesmo em folhear a Veja, ao passo que esta terceira entrega da CartaCapital me alcançou sem que eu tivesse lido nenhum dos exemplares já recebidos. Em verdade, na semana passada, com a chegada do segundo exemplar, lembrei-me de tirar o primeiro da embalagem para, enfim, folheá-lo.

Com a revista em mãos, estranhei tudo: a diagramação, a distribuição das matérias, os anúncios e, claro, o foco. A sensação de estranheza reside, principalmente, na abordagem: parece-me que vou me deparar com informações desencontradas, pois, evidentemente, quando uma revista semanal fica pronta, muitos de seus assuntos já foram tratados e, por esse prisma, boa parte da construção da minha opinião sobre determinado tema já se deu a partir dos outros meios de comunicação.

Percebo-me, portanto, diante de um exercício de leitura, pelo qual eu preciso reaprender a ler o que é novo, o que é diferente. Não tive essa estranheza com a revista Caros Amigos, que, se me recordo bem, se apresentava também como fora do circuito tradicional. Claro que eram outros tempos: sendo jovem, a novidade me chegava sem muitas barreiras ao coração e dali se irradiava para o corpo e para o espírito. Aos 43 anos, vejo que fui ficando um pouquinho reacionário e ligeiramente refratário à novidade – além de reclamar da “juventude transviada” com os mesmos velhos argumentos que eu ouvira na minha mocidade.

Penso que essa troca de papéis entre jovens e nem tão jovens seja cíclica e sirva para alimentar o movimento do mundo: não fossem os jovens acreditarem nas revoluções, no futuro e nas utopias e talvez ainda estivéssemos morando em cavernas. Por outro lado, não fossem os mais experientes corrigindo os rumos, propiciando os meios e garantido os resultados, talvez também ainda estivéssemos no tempo das cavernas – mas já sem cavernas para morar.

Por enquanto, percebo que fiz com a CartaCapital aquilo que eu fizera com a Wikipédia, com o Firefox, com o ReclameAqui, com a própria Folha e com outras organizações: assinei ou investi (não muito, claro) para patrociná-los enquanto alternativa, pois penso ser positivo termos opções à disposição e sermos igualmente responsáveis por elas. Por não acreditar em notícia grátis, resisto o quanto posso ao conforto de buscar informações fáceis em páginas da internet supostamente gratuitas – e nem tenho mais idade para acreditar em total imparcialidade na produção de conteúdo: todos temos um ponto de vista para defender e o fazemos com maior ou menor parcialidade.

Daí que ler a revista CartaCapital venha a ser o meu exercício pessoal em busca de um novo olhar. Não sei muito sobre a revista, mas aposto que seja uma boa publicação, pois não chegou ontem ao mercado e tem em Mino Carta um publisher respeitável. A publicação tem muitos (e ferozes) críticos – aliás, foram as críticas que me contaram de sua existência. E parece-me que essas críticas também signifiquem que a revista não é um veículo invisível: sua mensagem chega aonde tem que chegar e deve incomodar alguns players do mercado e da política (sabe-se lá onde o “mercado” se distingue da “política” nesses tempos de conluios).

Penso ser esse o papel de uma publicação no formato de revista: reunir um grupo de leitores em torno de um ponto de vista. Acreditar na sua maneira de narrar o mundo. Vender uma alternativa de pensamento. Aliás, porque creio nisso, critico respeitosamente a existência de revistas como a Caras, mas as folheio sem compromisso e com ligeira diversão enquanto espero meu dentista me chamar.

Da minha parte, contudo, espero reaprender a ler textos diferentes do que eu venho lendo, sem esse sentimento tão forte de estranheza – e, com esse reaprendizado, quem sabe, recobrar um pouco da juventude que está me escapando velozmente com o passar do tempo. E também ainda espero uma revolução, em mim e no mundo – mas, agora, já torço para que seja mansinha e respeitosa. Uma revolução, como diria Drummond, “Que faça acordar os homens e adormecer as crianças”.

A Favelada

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Por Luís Fernando Praga

Num desses contrastes brasileiros, ela morava na favela ao lado. A mãe era diarista naquele bairro rico. O pai, ela jamais conheceu.

Quando era o dia das bruxas, sempre aparecia pra pedir doces. Desde os 6 aninhos, roupas péssimas e pés descalços que pareciam não sentir o chão quente, ela não ligava para humilhação que sofria das crianças limpas e bem educadas dali. Não se incomodava de ficar no fim da fila, de ter portas fechadas na cara, de ver expressões de nojo e ódio de alguns moradores e nem de ficar só com as sobras. Agradecia com um sorriso inibido e baixava os olhos.

Voltava pra casa à noite, sacolinha meio cheia, que para ela parecia um tesouro. Comia doces como nunca e levava um bom tanto para repartir com a mãe, que sempre chegava cansada.

Para a inocência de Cristina, o dia das bruxas representava uma das poucas lembranças boas da infância.

A mãe era jovem, 23 anos e trabalhava desde os 15 em casas de família no bairro nobre que avizinhava a favela. Não teve tempo nem vontade de concluir os estudos. Um dia voltou pra casa chorando. Havia sido estuprada no emprego. A mãe da mãe, muito religiosa, a colocou pra fora de casa. Ela se virou como pôde, arranjou um barraco onde pariu Cristina sozinha.

Iuri morava com os pais numa mansão suntuosa e não via com bons olhos a favelada que invadia as ruas de seu bairro para “roubar” os doces que, por mérito, deveriam ser dele e de seus amigos.

A mãe de Iuri recomendava cuidado e distância da favelada, que podia transmitir doenças, roubar, ou andar junto de algum adulto que o sequestrasse ou apresentasse drogas.

Cristina também evitava Iuri por medo.

Passada aquela data festiva, se viam novamente apenas no ano seguinte.

Naqueles intervalos de 365 dias, as duas crianças levavam suas vidas de formas diferentes.

Iuri sofria com a presença de gente como Cris, que se amontoava nas favelas da cidade. Gente violenta que, segundo seus pais, matava, roubava e sequestrava pessoas de bem o tempo todo.

Cris sofria com a falta de água, de saneamento básico e com as balas perdidas.

Iuri sofria por ter passado apenas 10 dias na Disney aquele ano, chorava, batia os pés e exigia algum bônus dos pais.

Cris sofria com o transporte público precário. Muitas vezes o ônibus não passava e ela perdia aula. Ela adorava sua escola simplesinha. Lá aprendera a ler precocemente. Era tímida, mas questionadora. Quando não podia ir, ficava triste e frustrada. Voltava para casa e aguardava algum carinho da mãe, que sempre chegava cansada, triste, frustrada e logo dormia, sem carinhos.

Iuri tinha um motorista particular e frequentava a melhor escola da cidade. Gostava de ser o centro das atenções, como seus pais o criaram para ser. Fazia bullying com meninas, com negros, com gordos e com gays e ficava muito indignado e infeliz quando algum professor chamava sua atenção.

Iuri sofria a vida toda, assim como seus pais e seus avós, com a ameaça comunista, que planejava dividir todas as suas posses com pessoas como Cris. Isso fez Iuri crescer com medo e ódio, assistindo televisão e pedindo a Deus que livrasse o seu amado Brasil daquele tipo de gente.

Cris também sofria algumas privações, passava frio, fome e adoecia facilmente. Nunca encontrara ninguém com a disposição de ajuda-la, muito menos de repartir as coisas dos ricos com ela. Não via ninguém na favela melhorar de vida graças à ajuda de quem quer que fosse. Nunca ela, sua mãe ou sua avó receberam qualquer tipo de benefício trazido por algum comunista e jamais vira um comunista na vida.

Iuri sofria e culpava o governo quando ocasionalmente a energia de seu bairro acabava. Era difícil receber os amigos sem videogame e ar condicionado. “País de merda!”, bradava Iuri. Fazia birra para os pais e exigia outro bônus. Os pais faziam a vontade de Iuri, não sem antes dizerem “país de merda!”.

A vida também não era um mar de rosas para Cris, mas ela nunca teve vontade de chamar o Brasil de “país de merda”. Para ela, mais do que refletir a condição do país, essa frase refletia o estado emocional de alguém descontrolado pelo estresse.

Aos 13 anos Cristina ainda foi ao dia das bruxas coletar doces naquele bairro de ricos onde a luz só acabava de vez em quando. Já ia voltar pra casa quando foi surpreendida por um grupo de meninos que roubou seus doces, cuspiu em seu rosto e a espancou. No final, Iuri disse para que ela nunca mais voltasse, a não ser para limpar as privadas.

Cristina chegou em casa profundamente ferida. A mãe perguntou dos doces e Cris contou, chorando, que não havia conseguido nenhum aquele dia. A mãe sorriu com olhos mareados pela tristeza da filha, disse que tudo bem e logo dormiu.

Naquela noite Cris sentiu que o mundo a odiava. Ela era preta num país onde a mídia exaltava que o bonito era ser branco. Ela era pobre num mundo que matava e prendia os pobres e onde ter sucesso na vida era ser rico. Ela era mulher num mundo machista de valores deturpados.

Deitou-se no colchonete precário e chorou muito. Tapou os ouvidos pra não ouvir seu choro, nem a briga e nem o amor dos vizinhos, nem cachorros latindo, nem a roda de samba e nem o tiroteio. Continuou chorando pelo desamor do mundo. Chorou mais, porque apesar disso tudo, ela não sabia o motivo, mas ainda desejava viver e isso tornava tudo mais difícil.

O sono não veio, o choro não passou e, naquela madrugada mágica, naquele triste barraco, ficaram apenas Cris e ela mesma.

A mão que tapava a orelha sem garantir o silêncio e começou a enrolar um dedo nos cabelos enrolados. Ela tentou se dar carinho. Recebeu, de si própria, seu primeiro cafuné. Ela amou acariciar seus cabelos e seu rosto e o fez com uma vontade libertadora. Acompanhou, delicadamente, com a ponta dos dedos, as lágrimas que corriam do canto do olho até o canto da boca. Ela amou se tocar, amou o fato de existir algum amor. Ela se amou profundamente e amou experimentar o prazer. Foi feliz naquele instante que tingiu pra sempre o mundo de outras cores.

A partir daquela madrugada Cristina aprendeu que podia fazer bem a si própria, por mais que Iuri e seus amigos a ofendessem e que dissessem de suas limitações. Por mais que nunca aparecesse nenhum comunista para torná-la menos pobre. Por mais que nenhum governo pudesse resolver seus problemas ou sequer soubesse de sua existência. Ela sentiu que era capaz de amar e ser feliz e sentiu a importância disso em sua vida. Desejou sofrer menos e entendeu que isso estava muito em suas mãos.

Passou a ler ainda mais, descobriu que havia gente que não cultivava ódios ou preconceitos e que ela era esse tipo de gente.

Conversou mais com a mãe, contava tudo o que aprendia na escola, na vida e dentro de si mesma. Fizeram uma horta no quintal. Criaram uma cooperativa de costureiras na favela e passaram a produzir as próprias roupas e a se vestir com dignidade. Faziam escambo das coisas que necessitavam e a mãe de Cristina deixou de ser explorada, passou a ter mais tempo com a filha para trocarem afetos e conselhos.

Cristina aprendeu que nem todo rico era cruel, mas a riqueza mal distribuída era sempre crueldade.

Aprendeu que nem todo pobre era bondoso e correto.

Aprendeu que havia muitos pobres no mundo, porque só esse tipo de gente se prestaria ao papel de manter os ricos ainda mais ricos, trabalhando por migalhas antes de uma morte precoce.

Entendeu que a miséria era o combustível da fortuna.

Aprendeu que havia pobres armados que assaltavam, matavam e faziam arrastões. Havia ricos que desviavam dinheiro público, queimavam mendigos que dormiam, estupravam e matavam travestis, mulheres e homossexuais.

Aprendeu que os ricos, e não os pobres, fomentavam a indústria armamentista e as guerras. Que as guerras matavam muito mais pobres do que ricos, e que das guerras vinham as armas que perpetuavam a violência no mundo.

Aprendeu que o ódio era uma droga legal e de efeito devastador sobre o cérebro humano, aceita e consumida livremente pela sociedade, e que bastava respirá-lo um pouco para o ódio viciar. Viu que a mídia fazia apologia constante a essa droga, polarizando opiniões, acirrando rivalidades, marginalizando diferenças, distorcendo a verdade e manipulando informações. Era um povo desunido que mantinha o sistema vigente.

Ela não quis aquilo para seu cérebro nem para seu coração. Preferiu explorar os limites daquele amor que ela sabia ser poderoso e possível.

Aprendeu que amor e ódio não escolhiam classes sociais.

Aprendeu sobre liberdade, sustentabilidade e solidariedade. Sobre as diferenças e a tolerância.

Estudou a justiça, a meritocracia e a hipocrisia.

Aprendeu sobre a luta das mulheres, e que a origem do dia das bruxas vinha de uma festa pagã, criada para louvar a uma Deusa Mãe, a Terra, em gratidão por uma colheita farta.

Aprendeu que houve um tempo em que bruxas eram mulheres livres e pensantes, que ameaçaram os desmandos de uma igreja e de uma sociedade machistas e gananciosas. Que elas foram queimadas em fogueiras de forma covarde e estúpida, por gente ignorante e cheia de medos, a fim de criar gerações de mulheres temerosas e submissas.

Aprendeu que gente com medo vivia uma vida limitada, atrelada a seu medo. Que o medo se convertia em submissão ou em agressividade. Que, percebendo isso, algumas pessoas e instituições se especializaram em semear e explorar o medo.

Lembrou-se de Iuri e seus amigos.

Envergonhou-se de mendigar doces por tanto tempo, mas depois riu da criança que fora.

Passados alguns anos, voltaram a se encontrar numa sala de aula de uma escola pública. Iuri não a reconheceu, com toda aquela nova auto estima e segurança, mas encantou-se por ela quando a viu chegando para o Exame Nacional do Ensino Médio.

Embora tivessem a mesma idade, morassem perto um do outro, tivessem cruzado seus caminhos várias vezes e além até de não saberem, mas serem filhos do mesmo pai, dali pra frente a vida os separou definitivamente.

Cristina continuou acreditando no amor, no conhecimento e nas mágicas surpresas da vida. Passou em uma boa faculdade e se torna uma mulher mais livre e plena a cada dia.

Iuri zerou na redação, administra as empresas do pai e continua viciado em ódio, cultivando a ignorância e sofrendo de medo.


Texto originalmente publicado em novembro de 2015, em Carta Campinas.

O dia do Professor

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Por Luís Fernando Praga

Joãozinho pega o coletivo diariamente às 5:30. Às 6:10 apanha o segundo ônibus que o deixa na porta da escola às 7:00. Cumprimenta alguns colegas e com sua pesada mochila entra ligeiro na sala para não atrasar o começo da aula. O professor Joãozinho atravessa a cidade, de uma periferia à outra para viver.

Viver, para Joãozinho, é fazer com que sua vida tenha algum sentido. É sentir prazer em aprender e poder ajudar pessoas a extraírem prazer do aprendizado. É transferir e trocar conhecimentos. É encontrar gente. É ter o que comer e onde morar dignamente. É tratar e ser tratado com respeito.

Jairo para em frente à escola e nota os olhares das meninas quando sai de seu carro esporte. Os meninos comentam e Jairo sente-se bem com a admiração das garotas e com a inveja dos garotos. Jairo mora a duas quadras daquela conceituada escola particular e, atraindo olhares, entra na sala atrasado e sem pedir licença à Cláudia, que pausa a explicação para que Jairo cumprimente e conte as novidades ao colega do lado.

Joãozinho tem uma classe com 40 alunos pobres, com histórias de privações e sofrimentos que comprometem o aproveitamento escolar. O professor sente que apesar de seu empenho, pouco do que diz é aproveitado. Nota, entretanto, que alguns alunos, como Janice, têm um brilho diferente nos olhos. É esse brilho, vindo do fascínio por aprender, que justifica todo o esforço empreendido por aluno e professor para estarem naquele lugar.

Cláudia vai pra escola de metrô e tem uma sala com 25 alunos, todos ricos, com histórias de abundância e prosperidade que comprometem também seu bom aproveitamento escolar. Cresceram acreditando ser melhores e mais dignos de viver do que outras pessoas. Os alunos de Cláudia se enxergam superiores a ela e consideram que não precisam de nada daquilo. Alunos com o olhar especial de Janice também existem naquela classe, como Humberto, e era apenas a eles que chegavam as palavras de Cláudia.

Apesar do desempenho escolar abaixo da média, os alunos de João são em regra muito obedientes, pois tiveram berço. Nasceram no berço de uma sociedade que afirma a todo instante que eles são piores que os demais. Que nunca conseguirão ter um carro ou uma casa como os da novela. Que se pegarem alguma doença banal irão morrer, pois não são ricos. Que jamais chamarão a atenção daquela paixão secreta, porque suas roupas são simples e puídas. Então, criados num berço que os fez crer que não valem nada, são submissos e passivos… enquanto não explodem.

Os alunos de Cláudia também tiveram berço. Em seu berço, Jairo e a maioria de seus colegas aprenderam que podiam de tudo, que eram a nata, que eram exemplos de sucesso e que todos desejam ser como eles. Aprenderam que estavam protegidos, pelas leis, pelo dinheiro e pelos muros e carros blindados, das injustiças, das doenças e dos pobres. Aprenderam nesse berço que são melhores que os demais e não devem prestar contas a gente de castas inferiores como Cláudia.

É complicado para João fazer seus alunos acreditarem que não são inferiores a ninguém, apesar do que dizem a sociedade e as novelas.

Cláudia tem dificuldades em mostrar a seus alunos que ter dinheiro não os faz superiores a seus semelhantes.

Enfrentar o desrespeito, a humilhação, a violência física e o assédio sexual de seus alunos é uma condição inerente ao trabalho de Cláudia. Ela precisava viver e seu viver é como o viver de João. Para comer e morar com dignidade ela se submete a dar aulas naquela escola.

Para completar-se como ser humano, em seu horário de almoço, Cláudia pega duas conduções, almoça no ônibus e chega à mesma escola da periferia onde o professor Joãozinho leciona de manhã.

João, para se alimentar e morar dignamente, em seu horário de almoço faz o caminho inverso e vai lecionar na escola particular onde Jairo estuda.

Quando Cláudia dá aulas na escola da periferia ela é mais respeitada do que na escola particular, mas ainda assim sofre abusos, pois alguns daquele alunos submissos lembram-se de terem aprendido que são inferiores a todo o resto, menos à mulher, e Cláudia é a oportunidade que esperavam para demonstrar algum tipo de superioridade e poder.

Mas o olhar de Janice misteriosamente compensa o perigo e a humilhação sofridos e Cláudia não desiste.

Jairo fica feliz quando Joãozinho entra na sala, pois agora pode exercitar seu preconceito de outra forma. Além de ser mais rico e poderoso que João, Jairo é branco e João é preto. A ignorância de Jairo o leva a entender aquilo como algo que rebaixe ainda mais seu professor, então Jairo abre sua caixa de ferramentas fascistas e piadas cruéis.

O olhar e os questionamentos de Humberto permitem que João releve as inconveniências infantis de Jairo e suporte passar por tudo aquilo.

À noite João e Cláudia se encontram em uma importante avenida da cidade. São grandes amigos e reivindicam melhores condições de trabalho para a categoria. Juntos, apanham de policiais que foram seus alunos naquela escola da periferia e que seguem ordens de políticos que foram seus alunos naquela escola particular.

Chegam a suas casas bem tarde, cansados e feridos, imaginando a difícil tarefa de enfrentar o dia seguinte. Não sabem explicar porque devem ir, mas sabem que irão para ver novamente os olhares de Janice e Humberto.

Percebem que Janice e Humberto são alunos diferentes, que não se deixaram iludir pelas supostas evidências sociais que os colocam em patamares evolutivos diferentes. São alunos que sabem que a sociedade está doente e acreditam que a cura está no conhecimento.

Cláudia e João ajudaram aqueles dois alunos a despertarem para o fato de que há uma infinidade de ignorâncias a se esclarecer.

Isso os tornou questionadores de certezas impostas e mais tolerantes com as ignorâncias alheias. Isso os impediu de se tornarem submissos a arbitrariedades ou arrogantes com quem passasse por situação de fragilidade. Isso os fez questionar os donos da verdade e os donos de pessoas.

Janice e Humberto não acreditam mais na sociedade que diz e age como se os negros, as mulheres e os pobres fossem inferiores. Não creem que alguém valha mais por ter mais dinheiro. Não se veem como superiores ou inferiores a ninguém, mas como gente, e sabem que gente tem sempre o que aprender e o que ensinar.

Professores como João e Cláudia conseguiriam facilmente outra ocupação que lhes garantisse um salário melhor para alimentar seus corpos, mas nenhuma ocupação poderia substituir aquela vocação, a única capaz de lhes provir um salário que alimente suas esperanças.

O tempo passou e João e Cláudia ainda lecionam. Ainda passam por situações difíceis e convivem com a injustiça diariamente, mas agradecem pela escolha que fizeram e se comovem nessa data, quando recebem a cada ano, mais e mais mensagens de Janices e Humbertos, cheias de carinho, notícias, questionamentos, reconhecimento, gratidão e no final há sempre um: “Você mudou a minha vida e isso não tem preço!”

Obrigado, prô!

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Texto originalmente publicado em outubro de 2015, em Carta Campinas.

Achismos na Reforma do Ensino Médio ou Educando por Decreto

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Por Jorge Alves de Lima

Acho temerário comentar notícias, pois elas são sempre feitas para vender jornal e nem sempre feitas para informar. Também acho complicado comentar um documento sem tê-lo lido na íntegra – ainda mais quando se trata de um dispositivo legal, que eu acho mais apropriado para a leitura de juristas ou de especialistas da matéria nele versada. E, claro, acho pouco produtivo comentar assuntos dos quais não entendo patavinas – e não acho, em conclusão, que eu vá acrescentar nada de novo à discussão do tema em si.

Feitas essas ressalvas, acho estranho que a tal da reforma do ensino médio (que parece significar a mais profunda alteração já feita na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB) seja proposta por medida provisória.

Se bem me lembro, quando criado, o famigerado instituto da medida provisória pretendia disciplinar os atos legislativos do poder executivo que, na prática, usurpava as prerrogativas do poder legislativo – ao editar normas legais, geralmente via decreto-lei. Tratava-se de um tempo sem demandas democráticas, quando os ocupantes militares do poder estavam encarregados de salvar o país de sabe-se lá o que. Assim, se não me falha a memória, um decreto tinha um prazo de tramitação que, quando esgotado sem apreciação legislativa, era convertido em lei por decurso de prazo. E pronto!

O decurso de prazo, me parece, era uma ferramenta tão insidiosa quanto à recorrente “prescrição” – a mesma que, após toda sorte de embaraços e recursos protelatórios, permite que algumas condutas criminosas e certos desvios sejam perdoados sem serem necessariamente objetos de um julgamento. Geralmente, o criminoso conta com isso.

Com a medida provisória, se conservou a possibilidade de o executivo criar leis, o que é, ademais, um despropósito, pois o legislativo existe exatamente para isso. A justificativa tem sido a necessidade de respostas rápidas para determinados assuntos. Diferentemente do modelo anterior, o decurso de prazo passou a invalidar o ato do executivo, portanto, não mais se convertendo em lei.

O que pareceu um ganho foi logo se mostrando um achaque: como se verificou que a letargia dos parlamentares poderia seguir sendo um problema para a pressa do executivo, foram criados instrumentos para aumentar a “vida útil” das medidas provisórias e para provocar a ação nas casas legislativas em tempo hábil (afinal, os legisladores têm mais o que fazer do que ficar legislando todos os dias). Assim, uma medida provisória, decorrido certo prazo sem apreciação, tranca a pauta da casa parlamentar. É quase uma chantagem.

Mesmo com isso, seguiu o carnaval, com medidas provisórias sendo editadas para praticamente tudo. Por exemplo, a Agência Nacional de Cinema (Ancine), importante, sem dúvida, foi criada por medida provisória (MP 2228-1/2001). Certamente, havia alguma urgência – e eu apenas não consegui captar.

Deu-se que decidiram que os temas das medidas provisórias, além de urgentes, não poderiam ser sobre matérias privativas do parlamento. Não sei se isso pegou, já que vivemos num país no qual as leis se aplicam na medida que “pegam”; caso contrário, tornam-se letra morta (boa parte da Constituição Federal, por exemplo, que não é uma lei qualquer, ainda não foi regulamentada – portanto, não “pegou”).

Faltou incluir, e talvez o futuro nos traga isso, que uma medida provisória não deve ser editada sobre temas que interessem ser discutidos com profundidade pela sociedade, situação na qual uma variedade de assuntos se enquadra.

Assim, postos todos esses achismos sobre leis e afins, chega-se ao âmago da questão que é entender os motivos de o governo federal ter preferido que a reforma do ensino médio – um tema que afeta tanta gente e que já é urgente há tanto tempo – fosse para o Congresso Nacional via medida provisória (746/2016).

Mas eu acho, de verdade, que um tema dessa envergadura deveria ser construído conjuntamente, envolvendo não só professores, alunos, pais e pesquisadores da educação, mas legisladores, secretários de educação, coordenadores pedagógicos, presidiários, empresários, prostitutas, vendedores de bilhete de loteria, banqueiros, políticos, bêbados e equilibristas.

Deveria ser assunto na novela, no cabeleireiro, nas discussões do vestiário, em histórias em quadrinho, em conversas de bar. Tanta gente pode ter tanto a dizer sobre a educação – ainda que boa parte possa não ser minimamente exequível, mas ser legítima, pois seria o povo discutindo como quer ser educado. Simplesmente porque todo mundo passou, passa ou passará (ou deveria) pelo ensino médio. E simplesmente porque não é um assunto para apenas os 120 dias de debates ensejados na apreciação de uma medida provisória.

Se é que vai haver algum debate, pois, no nosso “semipresidencialismo”, tendo o executivo maioria no legislativo, os assuntos às vezes nem são debatidos pelos parlamentares: são decididos pelos líderes partidários e vão a plenário já “aprovados”. Depois, são decretados pelo presidente do Congresso Nacional, sancionados pelo presidente da República, publicados no Diário Oficial e ignorados pelo povo.

Sim, porque esta é a resposta da sociedade – e nisso o Brasil inovou: se uma lei não representa os anseios do povo ela não pega, sendo simplesmente esquecida. Fica a dica.

Primavera

Por Luis Fernando Praga

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Vejo Dálias, Acácias e Tulipas,
Gardênias, Açucenas, Violetas.
Há crianças largadas nas sarjetas
E o céu venta um azul com muitas pipas.

Há Narcisos, Gerânios, e Hibiscos,
Crisântemos, Jacintos e Antúrios,
Há os ricos querendo ser mais ricos,
Narcisistas, hipócritas e espúrios.

O elixir extraído de uma flor
É um segredo muito bem guardado,
Capaz de dar alívio a tanta dor,
Só cura as dores do mais abastado.

Mas flores salvam vidas de quem sonha,
E há poucos sonhadores entre os meus.
Uns podam as Marias Sem Vergonha,
E outros vivem só de vender Deus.

Temos milhões de flores adoráveis
Espalhando-se em cores pelo chão
E pisamos bilhões de miseráveis
Pra que deles não reste um só botão.

Porém a primavera é milagrosa
E no concreto brota a Margarida
O nosso sangue rubro vai à Rosa
E segue além de nós a nossa vida.

Podemos sentir paz nesse jardim
Com flores diferentes lado a lado
Orquídeas não são mais do que o Jasmim,
E todo pólen é o mais sagrado.

Cada flor é por si uma lição,
Cada uma perfuma do seu jeito.
A leveza do Dente de Leão
Não crê em crises pro Amor Perfeito.

Na lenta cicatriz do nosso engano,
A Natureza atua enquanto espera
Que nos tornemos mais que húmus humano,
Pra florirmos nalguma primavera.

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Texto originalmente publicado em setembro de 2015, em Carta Campinas.

O Bardo Araújo

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Por Luis Fernando Praga

Há muitos anos, numa casinha situada entre duas igrejinhas, um tatara-trisavô do Araújo vivia uma fase difícil e precisava sentir-se mais feliz e realizado, então passou a convidar amigos para trocar ideias, matar a fome, a sede e a carência.

Araújo (chamarei a todos os Araújos de Araújo, independente do grau de parentesco com o primeiro Araújo) notou que as carências, dos mais variados tipos, eram inerentes ao ser humano, assim como certa inquietude meio torturante, então fez de sua casa um lugar onde as pessoas podiam trocar impressões sobre esses sentimentos e sobre as coisas da vida e da morte com total liberdade.

Com o passar do tempo o movimento aumentou e a casinha tornou-se uma taberna, que manteve a tradição de bem servir e de cozinhar com prazer, simplicidade e carinho até o último cliente.

Araújo percebeu que as pessoas eram muito diferentes entre si e que as diferenças não as afastavam da condição de serem seres humanos, por isso, ninguém era melhor nem pior, todos eram a mesma coisa, mas diferentes.

Ele ficava tão intrigado e aprendia tanto com as diferenças que passou a pedir aos clientes que deixassem seus pensamentos escritos nas paredes, nas mesas e por todo canto daquela humilde bodega, mas pedia que não assinassem, para que no futuro pudesse ler e aprender livremente sobre aquela ideia, desvinculada do autor.

Recebia gente de todo tipo e quando digo todo tipo, é todo tipo mesmo. Atendia a todos com a mesma prontidão e gentileza porque gostava muito do seu trabalho. Sabia que ninguém precisava ter um bar para ser feliz, mas que era essencial que todos gostassem muito de suas ocupações, pois se ocupariam delas por muito tempo em suas vidas e as vidas deviam ser mais felizes do que infelizes.

Ele entendia que muitos dos problemas humanos vinham do fato de que as pessoas trabalhavam pensando em ganhar dinheiro para depois ver o que faziam com ele, e deixar o agora pra depois, só por causa de um papelzinho sem nenhuma poesia ou história escrita, pro Araújo era um infeliz equívoco. Araújo preferia viver para viver e sabia que seu trabalho tornaria sua vida mais agradável e completa.

Alguém um dia escreveu numa parede do bar e Araújo concordava: “Se alguém varre as ruas para viver, deve varrê-las como Michelangelo pintava, como Beethoven compunha, como Shakespeare escrevia”.

Araújo não fazia as coisas por dinheiro. Ele realmente se alegrava de ver alguém repondo suas energias com um alimento preparado por ele, ver pessoas conversando animadamente e regando suas ideias com a bebida que ele servia, sentar-se à mesa com amigos e conversar sem compromisso. Araújo gostava de plantar sua comida e produzir sua cerveja. Araújo gostava de estar com gente.

Ele aceitava as mais diversas formas de pagamento. Se alguém escrevesse uma frase que o fizesse pensar muito, já estava bem pago. Se alguém entrasse chorando e saísse sorrindo, já estava bem pago. Se alguém o fizesse sorrir num dia triste, estava bem pago. Se alguém pudesse ajudar com a arrumação da cozinha, ou servindo as mesas, cantando ou tocando um instrumento, cozinhando algo especial num dia especial, declamando poemas, contando histórias ou piadas, levando alguma muda ou semente para ser plantada, uma receita nova, uma roupa, tudo era muito bem aceito, às vezes um simples abraço valia para que ele pudesse continuar fazendo o que gostava e apreciando a vida.

Ser atendido por quem gosta de fazer o que faz, fazia toda a diferença e como a clientela do Araújo envolvia todo tipo de gente, ele passou a conhecer escritores que gostavam de escrever e ofereciam seus livros ao Araújo como forma retribuir ao seu serviço. Conhecia médicos que gostavam de ser médicos para zelar pela saúde de seus semelhantes e o ajudavam, ou a alguém de sua família ou a um cliente do bar com algum problema de saúde. Havia professores que gostavam de lecionar e ver seus alunos aprendendo a pensar. Havia advogados que gostavam de ser advogados para promover a justiça. Havia cientistas que gostavam ser questionadores, investigar os desconhecidos e descobrir soluções. Havia filósofos que adoravam o fato de a vida ser um mistério a ser desvendado. Havia religiosos abnegados e caridosos que davam suas vidas para trazer mais conforto e paz a outros seres humanos. Para essas pessoas e para o Araújo, suas ocupações, por si só, já eram mais valiosas que qualquer salário que pudessem render.

Ele fazia amizade com pessoas de muitos lugares e ocasionalmente algum amigo se oferecia para tomar conta do bar por uma semana, um mês, para que o Araújo pudesse viajar, conhecer o mundo e visitar amigos distantes na casa dos quais se hospedava.

Mas o mundo não era o Bar do Araújo. Araújo precisava de algum dinheiro para pagar impostos ao governo e não ter suas portas fechadas pelas autoridades competentes.

Araújo achava estranho ter que pagar imposto para o governo, porque para o Araújo, o próprio governo era imposto, não precisava. Ele achava errado ensinar para crianças que uma sociedade onde os seres humanos pudessem ter autonomia sobre suas escolhas e conviver em equilíbrio era uma utopia, mas ter um ser humano sozinho dizendo o que muitos outros deviam fazer e podiam receber era o que estava certo.

Havia uma frase logo na entrada do bar que parecia ser de alguém que concordava com o Araújo, pois o Araújo concordava com a frase: “Anarquista é, por definição, aquele que não quer ser oprimido, nem deseja ser opressor; é aquele que deseja o máximo bem-estar, a máxima liberdade, o máximo desenvolvimento possível para todos os seres humanos”.

A igreja à direita do bar, que não precisava dar dinheiro ao governo, pregava um tipo de liberdade na qual cada fiel, que era um filho de Deus e merecia prosperar. A igreja à direita atrelava a definição de prosperidade ao enriquecimento econômico, ao acúmulo de bens e à propriedade privada.

Araújo, que já havia encontrado muita gente triste em sua vida, acreditava que o indivíduo que “prosperasse” baseando seu sucesso no acúmulo de coisas, estava tirando coisas de outro, tirando coisas do planeta, estimulava a competição por bens esgotáveis, acabava por valorizar mais os bens produzidos do que a vida de quem os produziu, tirava a dignidade de seres humanos que nasciam acreditando que viver era produzir coisas para alguém acumular e tornava a sociedade corrupta e prostituída, capaz de fazer qualquer coisa por dinheiro.

Isso lembrava uma frase deixada numa das mesas: “Não se mede o valor de um homem pelas suas roupas ou pelos bens que possui, o verdadeiro valor do homem é o seu caráter, suas ideias e a nobreza dos seus ideais”.

Enriquecer criando abismos sociais, à custa do trabalho de quem vive em condições sub-humanas, fazia a pessoa viver iludida e morrer infeliz, no auge daquela inquietude torturante, carente de sentido e isso não parecia próspero ao Araújo.

A igreja à esquerda do bar também não precisava pagar impostos ao governo e pregava que todos os seus fiéis fossem tratados da mesma forma, pois todos eram filhos de Deus e mereciam o mesmo respeito e os mesmos benefícios, para que prosperassem juntos.

Araújo apreciava essa visão, pois não dependia de se explorar uma parte para que a outra se beneficiasse e sim da distribuição justa de recursos escassos. Mas na prática, as pessoas não precisavam todas das mesmas coisas. As carências eram diferentes e individuais, assim como a noção de prosperidade. Não funcionava que alguém decidisse o que era melhor para todos, pois a este caberia um poder cruel, um poder que também iludia, corrompia e fazia aflorar um ser humano vaidoso, oportunista e manipulador.

No mundo fora do bar, ambas as igrejas foram abertas e eram administradas por pessoas que tinham uma ocupação: ser pastor.

Cada igreja cultuava um Deus com determinadas características e dizia que este era o Deus de todas as pessoas. O pastor garantia ter sido escolhido por Deus para transmitir seus ensinamentos e a vontade divina para as pessoas da Terra. Ele arrebanhava fiéis, como um pastor de ovelhas arrebanha ovelhas, o que garante às ovelhas a condição de se tornarem animais arrebanhados, que servem a uma nobre finalidade a qual as ovelhas desconhecem. As ovelhas e os fiéis confiavam que o pastor só queria o seu melhor, então lhe entregavam o seu melhor, sua liberdade e o controle de suas vidas.

Araújo chegou a cogitar que o governo não cobrava impostos das igrejas porque talvez fosse mais fácil controlar os eleitores que já pensassem parecido com as ovelhas.

Os pastores garantiam a prosperidade e, no caso de quem não viesse a prosperar, garantiam o reino dos céus, que era um lugar bem mais legal do que a Terra e que seria alcançado só depois da morte. Tanto a prosperidade quanto o reino dos céus estavam assegurados para pessoas que aceitassem aquele Deus e obedecessem a certas regras que o Deus, todo bondade e compaixão, havia confidenciado ao pastor. Quem não se enquadrasse naquele perfil a tempo seria desconsiderado pelo Deus daquela igreja, que reservava para estes, depois da morte, um lugarzinho pior do que o reino dos céus e pior do que a Terra, chamado inferno, que era inclusive administrado por um desafeto do Deus.

O Deus da igreja da direita, segundo seu pastor, passou a se mostrar cada vez mais seletivo quanto a quem poderia desfrutar do reino dos céus e em contrapartida, aumentava o leque de predicados e atitudes que levariam o vivente, depois de morto, para o inferno. Passou a gostar mais de quem frequentasse os cultos com roupas elegantes. Passou a dar especial atenção e uma mãozinha extra pra puxar ao reino dos céus, àqueles que contribuíam com um dízimo maior. Passou a impedir a entrada de pessoas mal vestidas e diferentes do padrão que Deus impunha. Olhava de soslaio para as pessoas negras que entrassem em sua igreja, pois em regra as pessoas pretas daquela região eram recentemente libertas da escravidão e pouco podiam contribuir com o dinheiro que Deus gostava de receber, mas se o preto fosse rico, abria-se uma exceção.

Alguns fiéis mais antigos deixaram de frequentar o culto da igreja à direita porque seus suados dízimo e vestuário os deixavam constrangidos perante a nova preferência elitista de Deus. O perfil dos fiéis da igreja à direita foi se tornado cada vez mais rico e inflexível com os pobres, os pretos, os homossexuais, mães solteiras, e marginais, porque àquela altura Deus já instruíra ao pastor da igreja à direita que a função dele e de suas ovelhas na Terra era correr atrás de dinheiro e varrer do planeta aquele tipo de câncer.

Araújo não entendia bem porque o Deus da direita queria tanto que as pessoas fossem castigadas, humilhadas, desrespeitadas e sofressem tanto pelas mãos de seus fiéis aqui na Terra, já que iriam mesmo pro inferno depois.

O pastor da igreja à esquerda passou a receber e proteger os fiéis dissidentes da igreja à direita e garantir que o Deus de sua igreja não fazia diferença entre as pessoas. O pastor passou a ser muito querido e influente entre seus fiéis, mas era difícil explicar porque, apesar de aceitarem seu Deus, alguns fiéis, como pode acontecer com todo ser humano, sofriam, eram assaltados, morriam de doenças terríveis, perdiam seus empregos e seus entes queridos. O pastor percebeu que não dava para garantir toda aquela prosperidade para todo mundo, mas não queria perder o amor de seus fiéis, o poder sobre suas decisões e nem o dízimo que se habituara a receber e que dava a chance de que ao menos ele prosperasse, então passou a fazer discursos cada vez mais eloquentes em que questionava a fé daqueles fiéis que por um motivo ou outro se davam mal.

Os pastores eram seres humanos bastante carismáticos e isso atraía ovelhas para seu rebanho. Sentir-se capaz de conduzir o destino das pessoas e saber se beneficiar disso fazia vislumbrar um poder muito tentador para os pastores, um poder ilimitado, a prosperidade em seu grau mais extremo.

Mas Araújo já vivera muito tempo e observara muitos detentores desse tipo de poder morrendo arrependidos da vida que levaram. Para ele tal poder era a ilusão em seu grau mais lesivo. Araújo há tempos trocara a vontade de dominar e influenciar os outros, pela vontade de ter mais controle sobre si próprio.

Buscando não perder fiéis para igreja do outro lado, os pastores passaram a dividir o tempo usado para pregar a palavra de Deus, com acusações e ofensas contra a igreja vizinha. Em pouco tempo os cultos serviam mais para dizer que os outros estavam errados e que combatendo os outros é que se chegava ao reino dos céus.

Criaram-se então legiões de fiéis cheios da certeza e ódio. Os da direita não eram capazes de ver os da esquerda como seus semelhantes humanos, mas como aberrações satânicas, estúpidas e inferiores. Os da esquerda tinham total convicção de que os da direita não prestavam e não mereciam dividir o mesmo mundo com eles.

Isso fazia Araújo se lembrar de uma frase que alguém havia escrito num canto de parede perto do balcão: “Uma crença muito forte demonstra apenas sua força de acreditar, não a verdade daquilo em que acredita”.

Araújo via muita gente tendo muitas certezas sobre verdades muito opostas e preferia não tomar partido de nenhum dos lados, não por se posicionar em cima do muro, mas por se julgar no direito pensar diferente de ambas as igrejas. Araújo respeitava as pessoas e os pensamentos diferentes e não ficava aflito por mudar os outros para que ficassem parecidos com ele, mas morreria pelo seu direito de pensar e se expressar.

Ele não via sentido em viver insatisfeito com a vida, queixando-se de atitudes alheias, dizendo que “esse mundo está perdido”, pelo simples fato de não concordar com o modo como os outros conduzem suas vidas. Tornar desagradável e menos nobre a experiência de viver, apenas porque alguém faz coisas que ele não faria, parecia ao Araújo o pior dos desperdícios.

Ele sabia que havia muitas outras igrejas, algumas mais tolerantes e menos preocupadas em apontar defeitos. Ele sabia que cada igreja defendia valores e princípios que se adequavam melhor ao perfil de um ou outro tipo de fiel. Sabia também que muitas pessoas buscavam respostas além das que as religiões podiam dar e achava justo todo tipo de questionamento, porque considerava que a vida era uma dádiva cheia de mistérios e ter dúvidas era mais natural e salutar do que ter certezas.

Claro que os dois pastores rivalizavam entre si, a fim de não perder fiéis um para o outro, mas ambos passaram a se preocupar com as ideias subversivas do Araújo, porque uma ovelha domesticada pode mudar de pastor quantas vezes for preciso e nada mudará em sua índole, mas a ovelha que conhece a liberdade corre o risco de nunca mais se prestar à servidão, de optar por seguir seu próprio caminho, observar melhor os ciclos naturais, aprender com erros e acertos, avaliar as consequências de suas decisões, se tornar mais equilibrada e considerar menos relevantes as decisões tomadas por medo, por coação, por promessas vazias e pelo comportamento de rebanho.

Uma ovelha assim jamais seguiria um pastor e jamais pagaria o dízimo, então tudo que acontecia no Bar do Araújo passou a ser considerado pecaminoso e satânico por ambas as igrejas.

Os pastores não aceitavam que alguém optasse por buscar alento na prosa doce e na água ardente servidas no Bar do Araújo ao invés de procurar no discurso de medo e na água ungida que serviam nas igrejas.

Sugerir respostas diferentes das que estavam escritas em um livro sagrado passou a ser garantia de inferno instantâneo. Aceitar as diferenças, as diversidades sexual e religiosa, as artes mundanas, o amor acima de todas as coisas e lutar pela liberdade, era como morder a isca do próprio satanás e tudo isso deveria ser combatido fervorosamente.

Araújo já vivera momentos parecidos com aquele, quando padres (que são como os pastores, mas de outra igreja) tentaram acabar com as bruxas, mas as mulheres livres, independentes, apaixonadas e inteligentes (que eram as bruxas), continuaram existindo. Outros tentaram acabar com os judeus, mas eles continuam existindo. Tentaram acabar com os negros, mas eles continuam existindo. Tentaram acabar com os muçulmanos, índios, nordestinos e também não conseguiram. Os diferentes continuavam existindo.

Mesmo assim, o Bar do Araújo passou a ser perseguido, difamado e atacado por suas duas vizinhas de lado. As pessoas doutrinadas a odiar o Araújo não se preocupavam se tinha boas intenções, se ele tinha sentimentos, se tinha esposa, mãe, pai ou filhos pequenos. Odiavam a tudo isso e bem odiado mesmo!

Mas Araújo conhecia fiéis de boa índole, tanto na igreja à direita quanto na da esquerda e isso era o lado bom de uma situação com cara de ruim. Apesar de tudo, ele era capaz de ver maravilhas num mundo que tinha problemas. As maravilhas estavam pra todo lado e os problemas vinham das intolerâncias, por isso ele não acreditava mais quando diziam que determinado grupo precisava ser dizimado. Ele sempre enxergava os interesses escusos e a ignorância andando de mãos dadas.

Ele não acreditava que um Deus pudesse realmente querer uma violência dessas, pois sempre lia em suas paredes ideias lindas e inteligentes escritas por pobres, como “Amai-vos uns aos outros” e “Não julgueis para não serdes julgados”. Por pretos, como “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo” e “Sonho com o dia em que todos levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos”. Por homossexuais, como “Nunca imites ninguém. Que a tua produção seja como um novo fenômeno da natureza” ou “Quando se aprende a amar, o mundo passa a ser seu”. Então Araújo não via razões para considerar menos a essas pessoas.

Ele entendia que a liberdade ameaçava estruturas muito antigas, que dependiam de pessoas domesticadas e que por isso era perseguido e hostilizado, mas confiava mais em sua consciência do que no julgamento de pessoas sabidamente intolerantes e sua consciência dizia que ele não era mau por pensar diferente dos pastores.

Como a violência nascia da intolerância, Araújo pensava que a vida doeria menos se as pessoas se esforçassem mais na tentativa de tolerar. Da tolerância poderia, com alguma fé, nascer o respeito, do respeito, a admiração, da admiração, o amor. Por trás de todas as diferenças e das partes que pudessem parecer menos admiráveis, sempre havia uma pessoa amável pra se amar, se querer bem, desejar sua evolução, sua liberdade e sua felicidade.

Então, apesar de ser minoria, de algumas vidraças quebradas, dos xingamentos, de ser vítima de ódio e de constrangimento, Araújo continuou seu trabalho com o mesmo prazer de sempre, porque não sabia odiar e acreditava que algum dia a humanidade deixaria para trás alguns erros insistentemente repetidos.

O bardo Araújo resiste até hoje e tem aberto franquias nas mentes livres, esperançosas e sonhadoras.


Texto originalmente publicado em junho de 2015, em Carta Campinas.

Por que muitos alimentam crianças com dietas não saudáveis?

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Por Eduardo Szpak, Nutricionista da Alimente Saúde

 

Nem sempre o motivo é porque mães e pais não têm conhecimento sobre alimentação e nutrição.

Recentemente recebi duras críticas sobre a minha profissão, a pessoa mencionou que “esses profissionais  da nutrição acham que sabem de tudo e que uma alimentação saudável é perda de tempo, pois existem outros problemas mais importantes”.

É preciso viver em outro mundo para ter perdido alguns fatos:

A obesidade infantil é um grande problema
A maioria das crianças não comem muitas frutas e legumes
Hábitos aprendidos na infância tendem a manter-se ao longo da vida

Por que muitas famílias não conseguem virar o jogo ou ver esse problema?

Muitos especialistas acreditam que as crianças comem mal porque seus pais não sabem o suficiente sobre nutrição. Eu não consigo generalizar dessa forma. É muito difícil de acreditar que alguém está sob a impressão de que biscoitos recheados são mais saudáveis do que legumes. Isso é o que os pais teriam que acreditar de acordo com o argumento de falta de conhecimento.
Assim, se os pais sabem o suficiente sobre nutrição, por que as crianças comem junkies e não frutas? Aqui está uma possibilidade: os pais alimentam mal os seus filhos, porque eles cedem.
A ideia não é colocar a culpa nos pais e nas mães, como alguns já tentaram fazer. Afinal, você acredita que é fácil competir com toda a publicidade que cerca o dia a dia das crianças? Ou ainda, resistir à pressão sobre produtos alimentares, praticidades e soluções?

Aqui estão alguns pensamentos frequentes oriundos nessa cultura:

Nós não acreditamos que as crianças são capazes de gostar de alimentos saudáveis.
Nós pensamos que a infância significa comer doces, biscoitos, bolos, etc.
Nós gostamos de fazer nossas crianças felizes.
Queremos que nossos filhos  comam de forma independente e não fiquem na cozinha.
Nós não queremos ter uma luta todos os dias, a cada refeição.
Nós estamos cansados de jogar fora comida que nossos filhos não tocam.
Nós já tentamos ensinar nossos filhos a comerem frutas e legumes. Não podemos pensar em mais nada para tentar.
E os nuggets de frango? Eles não têm proteína?!
Nós não queremos que nossos filhos passem fome.
Nossos filhos comem este alimento, e não há nada que possamos fazer sobre isso.

Estes são problemas reais. Eles precisam de soluções reais.

Quer mudar a forma como as crianças comem? Vamos começar assumindo que os pais sabem mais do que você imagina sobre alimentação. Então, em vez de falar sobre nutrição, podemos começar a falar sobre hábitos.

Alguns pontos para refletirmos

Onde a família faz a compra dos alimentos para consumo?  Na feira? No mercado? Na horta da sua casa?

Quais alimentos consomem? Industrializados? Minimamente processados? Orgânicos? Frutas? Verduras? Cores variadas?

Quem prepara as refeições? É trabalho da mãe? É trabalho do pai? É trabalho de todos?

Qual o local da refeição? No sofá? Na rua? Com os amigos? Com a família reunida?

Como é realizada essa refeição? Conversando? Vendo televisão? Mexendo no celular? Interagindo um com o outro?

Todas essas são perguntas que estão diretamente relacionadas a quão saudáveis são os hábitos alimentares do núcleo familiar. As crianças encontrarão as respostas observando a relação dos pais com a alimentação, portanto, precisamos ser exemplo.

É importante demonstrar que é possível criar um relacionamento mais saudável e feliz com as crianças através da alimentação. Ensinar que o momento de comer está também nos sentimentos e carinho que proporcionamos aos filhos durante uma conversa na mesa de almoço ou até mesmo na hora de cozinhar.

Texto originalmente publicado em Alimente Saúde.

 

Por que fazemos o que fazemos?

46331096Por Jorge Alves de Lima

Escrever que vale a pena ler o novo livro do Cortella é chover no molhado. Tem sido assim nos últimos 20 poucos anos, pois Mario Sergio Cortella é um daqueles filósofos que fala da vida para quem (ainda) está vivo, fala de algo que você já pode usar enquanto lê o livro ou imediatamente depois que terminar de lê-lo – e ainda para a vida inteira.

Não sou um erudito, nem um crítico do trabalho do Cortella, mas penso que a filosofia do cotidiano, que versa (também) sobre a ética das relações pessoais ou profissionais ou acadêmicas e sabe-se mais lá no que a ética possa (e deva) ser posta, parece-me a matéria-prima desse consagrado autor, o qual tive a honra de assistir pela primeira vez dentro de um ciclo de palestras promovido pela Prefeitura de São Paulo e realizado na magnífica Biblioteca Mário de Andrade no começo dos anos 2000.

Mês passado, com alguns amigos, formamos um incipiente clube de leitores e começamos nossa prática compartilhando justamente a leitura de um mesmo exemplar do recém-lançado livro “Por que Fazemos O Que Fazemos?”. Não terminamos nosso ciclo de leitura; portanto, não fizemos a discussão em grupo à qual nos propusemos, de modo que cada um segue ainda na digestão silenciosa daquilo que aprendeu sozinho com o que leu.

Não vou aqui soltar trechos do livro ou separar melhores frases ou exemplos de sequências de efeito, pois coisa parecida deve ter aos montes pela internet e já deve até ter virado “meme” nas redes sociais. Trato apenas de dizer que vale a pena ler. Não sei se é o melhor Cortella de todos os tempos (nem sei se o autor o considera sua obra-prima – talvez, não, pois é um livro rápido, leve e que tem certa reciclagem de ideias). Ao que me pareceu, trata-se de um texto muito mais voltado para aqueles que estão interessados no universo do trabalho (ou querendo entrar ou querendo sair ou querendo mudar sua relação com o mundo profissional).

Nosso exemplar foi comprado na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (São Paulo), pelo simples prazer de passear por entre livros (pois, no site da Folha de São Paulo, na mesma ocasião, o exemplar impresso estava bem mais barato, mesmo considerando o valor do frete).

Autor: Mario Sergio Cortella

Título: Por que Fazemos o Que Fazemos?

Editora: Planeta do Brasil

ISBN: 8542207416

Páginas: 176