Martín Caparrós: entendendo a fome

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Por Guilherme Freitas, via Globo.com

Em uma aldeia no Níger, no oeste da África, o argentino Martín Caparrós conheceu Aisha, uma mulher de trinta e poucos anos que se alimentava com uma bola de farinha de milho “todos os dias que posso”. Jornalista experiente em dramas sociais, Caparrós perguntou a ela o que pediria a um mago se tivesse direito a um desejo. “Uma vaca”, respondeu Aisha, e quando Caparrós insistiu que poderia escolher qualquer coisa, ela disse: “Duas vacas. Com duas, sim, eu nunca mais teria fome”.

A história de Aisha é o ponto de partida do livro “A fome” (Bertrand Brasil), ambiciosa mescla de reportagem, ensaio e manifesto que Caparrós construiu ao longo de seis anos, em viagens por países da África (Níger, Sudão do Sul, Madagascar), da Ásia (Índia, Bangladesh) e da América (Argentina, EUA). Em cada lugar, encontrou diversas definições de “fome”. Por trás de todas, porém, uma mesma lógica: um planeta que produz alimento suficiente para toda a população, mas ainda assim deixa quase 1 bilhão de pessoas desnutridas, porque “alguns de nós concentramos recursos de tal modo que muitos ficam sem nada”, diz Caparrós.

imagemO senhor diz que decidiu fazer um livro sobre a fome “porque, se não fizesse, não me suportaria”. Como esse tema surgiu em sua vida?

Escrevo reportagens sobre temas sociais e políticos há muitos anos, em muitas partes do mundo, e sempre notei que, por trás de cada um dos problemas que analisava, havia um que se repetia como pano de fundo, quase invisível: o fato de que muitas pessoas não tinham comida suficiente. Olhando melhor, me parecia mais e mais vergonhoso: o fato de um mundo que produz comida suficiente para 12 bilhões de pessoas deixar quase 1 bilhão delas sem alimentos é uma grande canalhice. Por isso, decidi trazer o pano de fundo para o primeiro plano e escrever um livro sobre a fome. Mas era difícil, porque “a fome no mundo” é um clichê sobre o qual todos sabemos o que queremos saber — e que nunca é muito. Para não cair no lugar-comum, entendi que não existe “a fome”, e sim pessoas — centenas de milhões de pessoas — que passam fome, e eu queria escutar algumas delas.

Como o contato com essas pessoas mudou sua compreensão do drama da fome?

Não sei se mudou, eu diria que aprofundou, trouxe novos matizes. Seria uma bobagem pensar que todas as pessoas que passam fome pensam e sofrem da mesma maneira. Quis deixar de lado a facilidade de converter as pessoas em números, e encará-las como são. Muitas histórias me impressionaram: uma mulher em Daca, a capital de Bangladesh, me contou que, quando não tinha comida suficiente para os filhos, colocava uma panela com água no fogão, enchia de pedras ou galhos, e dizia para as crianças dormirem um pouco, que ela as acordaria quando o jantar estivesse pronto… Assim os garotos dormiam tranquilos. Não quis perguntar como ela fazia para o truque funcionar depois de duas, três, dez vezes. Acho que, ao menos nessa ocasião, preferi não saber.

“A fome tem muitas causas, mas a falta de comida não é uma delas”, o senhor escreve. E afirma que os casos mais graves de fome hoje “são causados pelas mãos de algum homem” ou por “uma decisão do poder”. Se o planeta produz alimento suficiente para todos, por que a fome persiste em tantos lugares?

getresourceÉ importante não confundir fome com hambruna (termo espanhol que significa uma crise humanitária de fome em larga escala). Hambruna é o estado de emergência em que algum acidente — guerras, tragédias, secas — faz com que muita gente não tenha acesso à comida. Isso, por sorte, já não é tão frequente. Por sua vez, a fome é a privação sistemática que sofrem 800 milhões de pessoas em todo o mundo que, dia após dia, não comem o suficiente. As razões são múltiplas, mas, sintetizando muito: porque alguns de nós concentramos os recursos do planeta de tal modo que muitos ficam sem nada. O planeta produz o suficiente para todos, só que o sistema econômico e comercial global está armado para prover os mais ricos — e deixar de lado os mais pobres.

Como avalia a ajuda humanitária aos países que enfrentam crises de fome?

Nas emergências, a ajuda humanitária é útil e eficiente. O problema é manter essa política assistencial nos processos de longo prazo: prover infraestrutura necessária — terras, irrigação, máquinas, sementes, depósitos, estradas — para que todos possam comer sem necessidade de receber bolsas da Europa ou dos EUA, sem depender das decisões de outros.

O livro narra o aumento de preços dos alimentos a partir da crise de 2008 e os conflitos por comida nos últimos anos em países como Egito, Burkina Faso e EUA. Que novos conflitos podem ocorrer por causa de alimentos?

Essa crise foi uma amostra do que pode acontecer quando os preços dos alimentos sobem bruscamente: a Primavera Árabe, conflitos violentos ou não violentos em cerca de 50 países. Diz-se que podem acontecer guerras por água ou comida, sem pensar que essa guerra existe desde sempre e está aqui o tempo todo. O que acontece agora é que um dos lados da guerra — os países ricos, os habitantes ricos dos países pobres — está vencendo com tanta vantagem que não precisa de operações militares. Para centenas de milhões de pessoas, isso que chamamos de paz é a aceitação da derrota. E elas pagam por essa derrota um preço muito alto: a desnutrição.


 

O escritor argentino esteve na III Bienal da Leitura e do Livro de Brasília, onde lançou seu livro “A Fome”. Acompanhe a entrevista, publicada no Youtube em 02/01/2017, para o programa Ponto de Vista.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Segredo de Minerva

cover_front_bigA cidade de São Paulo completou, nesta semana, 463 anos de fundação. Já é, portanto, uma senhora de respeito. Não estive a par das comemorações, mas invariavelmente são as mesmas coisas todos os anos. Parece que, nesta vez, a novidade foi a volta do Bolo do Bixiga, que havia parado por falta de patrocínio. Feliz ou infelizmente, a população não o despedaçou em questão de minutos – pelo contrário, civilizadamente, cada qual recebeu um pedaço. No fundo, tanto quanto a tradição de sempre fazer um bolo maior do que no ano anterior, havia também a graça (ou o horror) de contabilizar, em centésimos de segundos, o tempo que o bolo seria devorado pela multidão.

Para quem não conhece, esse Bixiga é também a Bela Vista, antigo bairro de imigrantes italianos, colado à Liberdade – outrora também um reduto de estrangeiros (japoneses, em sua maioria). Hoje, esses bairros centrais têm ocupação bem mais popular – sendo, aqui e ali, pontilhados de moradias coletivas (cortiços, como a tal “Saudosa Maloca” cantada pelo querido Adoniran Barbosa).

É nessa São Paulo mais do que quatrocentona, mutante e tão cheia de detalhes que se passa “O Segredo de Minerva”, do estreante Fernando Cilio. E Sampa está tão intimamente ligada ao desenrolar deste romance policial-esotérico que já nas primeiras páginas troca a condição de cenário pela de personagem a ser decifrada, quase protagonista, das venturas e desventuras de Matheus e Maria Eduarda – dupla que preenche as mais de 300 páginas do livro.

Cilio foi generoso em partilhar com seus leitores o resultado de suas pesquisas em torno dos muitos símbolos maçônicos e religiosos espalhados pela cidade. Usando-os, tanto os ocultos quanto aqueles do tamanho de um prédio, o autor teceu uma delicada, intrigante e saborosa rede de implicações, em um jogo que conduz o leitor pelos muitos labirintos da metrópole. Por isso, é preciso fôlego e atenção para acompanhar a história, que, por vezes, adota ritmo de videoclipe, enquanto, outras vezes, é professoral e didática, ensinando-nos o que, em outra parte, não aprenderíamos sobre a história da igreja romana ou sobre a maçonaria – duas das instituições igualmente presentificadas no texto (a polícia paulista também ganhou destaque nesta história escrita por um advogado que já foi policial – e que entende de vinhos e de alta gastronomia como poucos).

Aliás, quem conhecer o autor pessoalmente, que mantém uma pequena e charmosa adega na agradável Águas de São Pedro, no interior paulista, pode adivinhar algumas notas biográficas no personagem Matheus – e talvez esboçar, aqui e ali, um pequeno sorriso maroto. Certamente valerá a pena pensar quem seria cada um dos outros personagens, se a vida imitasse a arte – e não o contrário. Mas não é preciso conhecer o autor para reconhecer-lhe o talento na construção desses personagens, no uso dos cenários e, principalmente, na formatação das muitas cenas de ação – dignas de filmes hollywoodianos.

Numa São Paulo carente de áreas verdes, o autor, simbolicamente, começou e terminou sua trama em dois importantes parques paulistanos. Por falar em terminar, lembro-me de, na primeira vez que li, não ter gostado nenhum pouquinho do final: achei-o fora de contexto. Na segunda vez, contudo, compreendi o desfecho e o entendi como uma ideia brilhante e, ao mesmo tempo, surpreendente – e que permite imaginar que há muito mais história para ser contada. Ainda bem.

Autor: Fernando Cilio

Título: O Segredo de Minerva

Editora: Clube de Autores

ISBN: 9990051870688

Páginas: 363

 

Pesquisa em saúde corre risco

De autoria dos pesquisadores Augusto César Ferreira de Moraes (Universidade de São Paulo, Universidade Johns Hopkins), Francisco Leonardo Torres-Leal (Universidade Federal do Piauí, ONutricional) e Gilson Luiz Volpato (Universidade Estadual Paulista), texto faz críticas ao remanejamento de verbas destinado à pesquisa em São Paulo, estado responsável por 35% da produção científica nacional. O texto foi publicado na Revista Saúde (on line), no dia 25 de janeiro de 2017.


 

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A comunidade científica foi surpreendida com uma decisão política esdrúxula do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, com o apoio da Câmara de Deputados. Ele ordenou a redução do repasse à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) de 1% para 0,89% da receita tributária do estado.

A medida retira 120 milhões de reais da Fapesp. O governador alegou que essa diferença será direcionada aos Institutos de Pesquisa do Estado — um total de 19 organizações, que inclui os tradicionais institutos Butantan, Pasteur e Adolfo Lutz.

Tal fato é inaceitável. Primeiro porque fere a constituição do estado, que menciona no artigo 217: “O Estado destinará o mínimo de um por cento de sua receita tributária à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, como renda de sua privativa administração, para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico”.

Segundo: o fato de o governo destinar essa verba aos Institutos de Pesquisa do Estado, extraindo-a da Fapesp, é uma ingerência brutal à administração estratégica e financeira dessa fundação. Afinal, cabe a ela direcionar o dinheiro que por lei lhe é garantido.

É claro que esse governo tem obrigação de zelar pelos Institutos de Pesquisa do Estado, principalmente por meio de financiamentos de infraestrutura e de recursos humanos. Porém, tal apoio deve ser conduzido com verbas adicionais — jamais desviadas do que nossa ciência já tem por direito.

Os cientistas do estado de São Paulo são responsáveis por 35% da produção nacional, com diversas pesquisas de destaque internacional. Recentemente, o referido governador falou em público que a “Fapesp gasta dinheiro com pesquisas acadêmicas sem nenhuma utilidade prática para a sociedade ou projetos sem relevância para saúde da população”.

Essas palavras, além de serem um completo desrespeito com a entidade e com os professores que recebem seus subsídios, revelam profundo desconhecimento sobre como funciona a ciência e suas relações com a tecnologia. Não há aplicação sem que haja conhecimento teórico forte: esse é o caminho da ciência à tecnologia.

Um exemplo clássico é o desenvolvimento do raio laser. Quando Theodore Maiman disparou o primeiro pulso de laser, em 1960, seu assistente D’Haenens descreveu a nova tecnologia como uma solução à procura de um problema. Ou seja, na época, ele não “servia para nada na prática”. Hoje, temos muitos problemas que são resolvidos com o laser, em especial na área da saúde.

As soluções de desafios práticos costumam vir da aplicação de conhecimento científico de alto nível, mesmo que desprovidos de aplicabilidade em sua origem. Veja, também, que a teoria quântica trouxe novos conceitos na área de informática, com desdobramentos práticos impressionantes, seguramente não imaginados durante a construção dessa teoria.

Por isso a Fapesp investe em ciência básica — sem deixar de enfatizar pesquisas direcionadas e empregadas para questões que claramente requerem solução. Ela é uma instituição ímpar em nosso país, que deveria ser motivo de orgulho do governo, que a sustenta com força de lei.

Ciência é saúde

Em 2013, cientistas da Faculdade de Medicina da USP demonstraram que a capacidade de produzir estudos científicos de qualidade está diretamente relacionada com a preservação da saúde humana. Essa relação está condicionada à capacidade das autoridades locais em criar políticas e infraestruturas básicas para o desenvolvimento de projetos de pesquisa de qualidade.

Ou seja, países que fomentam investigações científicas sérias exibem populações com melhores indicadores de saúde. Portanto, a restrição financeira feita pelo governo paulista à Fapesp significará prejuízo direto e indireto para a saúde e tantas outras áreas prioritárias da ciência nacional.

O fato contestado nesse texto apenas reforça o que a presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha, mencionou dias atrás ao trazer as palavras do antropólogo Darci Ribeiro, proferidas em 1982: “Se os governantes não construírem escolas agora, daqui 20 anos, não haverá dinheiro para construir presídios suficientes.”

IUNS 21st International Congress of Nutrition

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Buenos Aires sediará, de 15 a 20 de outubro de 2017, o XXI Congresso Internacional de Nutrição (21st International Congress of Nutrition) da IUNS – International Union of Nutritional Sciences. A Sociedade Argentina de Nutrição (SAN) será responsável pela gestão desta edição do Congresso. Com o tema “Das Ciências à Segurança Nutricional” (From Sciences to Nutrition Security), o congresso pretende “estimular o intercâmbio de conhecimentos dos diversos campos de estudo da nutrição, os quais serão discutidos sob diferentes perspectivas”, de acordo com a Dr. Mabel Alicia Brígida Carrera, presidente do congresso.

Apesar da programação final do congresso ainda não ter sido divulgada, obedecerá aos oito principais tópicos divulgados no site do evento: Advances in Nutrition ResearchNutrition Through Life Course, Public Health Nutrition and EnvironmentNutrition and Management of DiseasesNutrients and Nutritional Assessment Agriculture, Food Science and Safety.

O prazo para envio de trabalhos, para apresentação oral ou por pôster, é 31 de março de 2017. As normas estão disponíveis aqui. As inscrições para o evento estão abertas.

Saflate: “problema da UERJ reflete fracasso da sociedade brasileira”

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Em sua coluna na Folha de São Paulo, o professor Vladimir Safatle, da Universidade de São Paulo, fala sobre a crise que a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) enfrenta, e faz uma crítica sobre a sua relação com as desigualdades sociais e as prioridades dos governos.

O texto foi publicado no dia 20/01/2017.


A Universidade Estadual do Rio de Janeiro, uma das mais importantes universidades do país, com cinco campi e 35 mil alunos, está ameaçada de fechar por falta de repasse de verbas. O início de suas aulas foram adiadas devido à ausência absoluta de condições.

Já no ano passado, vimos a cena desesperada de alunos e professores arrecadando cestas básicas para oferecer a funcionários com meses sem receber salários.

Longe de ser um caso isolado, a UERJ é apenas o exemplo mais dramático da situação da educação brasileira pública. Um país que leva universidades ao ponto de fechamento, sem causar nenhuma indignação social efetiva, é um país arruinado. Por isso, há de se dizer que o problema da UERJ não é apenas de seus professores e alunos. Ele é a expressão crua do fracasso puro e simples da sociedade brasileira.

Há dias, um ministro do Supremo Tribunal Federal, o sr. Roberto Barroso, achou por bem tecer considerações sobre o problema afirmando que deveríamos repensar o sistema público de ensino, de preferência apelando a um modelo de financiamento privado. No que ele expressa a opinião de alguns, para quem a educação deve aceitar não ser mais uma prioridade efetiva dos Estados, pois dinheiro não há.

É impossível não ver certa ironia em um representante do Poder Judiciário – o mesmo poder que recebeu, no meio da crise econômica que assola o país, aumento de seus salários monárquicos (causando um impacto de R$ 4,7 bilhões a menos só em 2017) -, falar que há de se aceitar que o Estado não tenha R$ 1,1 bilhão para garantir o orçamento de uma das nossas mais importantes universidades.

Alguém poderia começar por tentar explicar o que era, de fato, mais prioritário ao país: aumentar salários de desembargadores, juízes e afins ou garantir o funcionamento de nosso sistema público de ensino, levando a União a financiar universidades públicas (mesmo que estaduais) combalidas. Como se vê, o problema não é a falta de dinheiro. O problema é: para quem o Estado é, de fato, um Estado mínimo.

Mas tenhamos uma visão de conjunto. No mesmo momento em que o sistema de pesquisa e ensino brasileiro é desmontado, recebemos, graças a Oxfam, a notícia de que as oito maiores fortunas do mundo equivalem aos rendimentos de, simplesmente, metade da população mais pobre do planeta. Alguém poderia se perguntar o que esses dois fatos têm em comum. Eu diria: há uma relação profunda de causa e efeito.

Para que possamos chegar à situação repugnante de oito pessoas terem uma riqueza equivalente ao trabalho da metade mais pobre da população do planeta é necessário, ao menos, dois fenômenos.

Primeiro, uma desqualificação do trabalho manual e seus frutos, com claros interesses de espoliação. Não é apenas a concentração imoral de renda que choca, mas o caráter fictício do valor, que faz do trabalho manual, fundamental para a reprodução material da sociedade global, algo pago apenas no limite da sobrevivência da mão de obra.

Para que essas pessoas sejam ricas, é necessário que o trabalho que está na base da produção seja brutalmente desvalorizado.

Isso pode chegar ao extremo. Lembrem como um dos oito afortunados é dono da Zara, a mesma empresa denunciada, inclusive no Brasil, por se aproveitar de trabalho escravo. Assim se fazem as fortunas.

Um comentarista afirmou, com um tom de condescendência, que Bill Gates (outro afortunado) usa sua fortuna para programas de eletrificação na África. Bem, mas os africanos não precisam da filantropia de Bill, eles precisam apenas de preço justo para seus produtos.

O segundo fenômeno em questão é a demissão do Estado de sua responsabilidade social. Warren Buffett (outro afortunado) chegou a escrever artigos anos atrás dizendo que milionários como ele deveriam pagar mais impostos e que não conseguia entender por que era tão bem tratado pelo fisco do seu país.

Bem, Warren, enquanto pessoas como você são agraciadas, principalmente no Brasil, com o sorriso cúmplice do fisco e dos governos, universidades públicas são fechadas por falta de verba. Mas há sempre aqueles que se identificam com o agressor e julgam que nada disso vale uma batida de panela.

Suzana Herculano-Houzel: o que faz do cérebro tão especial?

Suzana Herculano-Houzel, professora da UFRJ, uma entre milhares de cientistas que est„o deixando de receber recursos para pesquisa por causa da crise econÙmica. Ela tem feito muitas crÌticas ao governo, dizendo que a ciÍncia brasileira est· ìfalidaî. Ela

O cérebro humano é  curiosamente grande em relação ao tamanho de nosso corpo, consome uma quantidade imensa de energia para o seu peso e tem o seu córtex bizarramente denso. Assista à palestra (com legendas) da neurocientista Suzana Herculano-Houzel para o TED, ministrada em junho de 2013.

 

I Seminário Nacional “Infâncias e juventudes na cidade: um diálogo com a educação”

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Com o objetivo de refletir sobre as formas de conviver e habitar a cidade e suas relações com a educação, será realizado, entre os dias 09 e 11 de maio de 2017, o I Seminário Nacional “Infâncias e juventudes na cidade: um diálogo com a educação, no campus da Universidade Federal do Espírito Santo.

“Somos enredados por várias lógicas da cidade. Do plano oculto de suas intenções às evidências de seus constrangimentos e de suas possibilidades educativas, torna-se imperativo conhecer melhor a cidade e as infâncias e juventudes que nela habitam”,  diz o texto na apresentação do evento. O seminário terá como objetivo “reunir pesquisadores de diferentes campos disciplinares, mobilizados em empreender novos estudos e pesquisas sobre outras formas de conviver e habitar a cidade em permanente diálogo com a educação”.

A inscrição de trabalhos ocorrerá entre os dias 07/02 e 07/03. As inscrições deverão ser feitas pelo site do evento entre os dias 07/02 e 07/04.

Confira a programação:

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Aprender a ler: uma revolução no cérebro

A Revista Neuroeducação (RNE) publicou, em abril de 2016, uma entrevista com o neurocientista francês Stanislas Dehaene. A entrevista foi conduzida pela jornalista Mariana Sgarioni. Em seguida, assista a uma aula ministrada pelo pesquisador sobre os fundamentos cognitivos da aprendizagem da leitura, com legendas em português.


 

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Ao ler este texto você está executando uma tarefa para a qual seu cérebro não foi concebido. Você pode até achar que a leitura é um ato quase automático. Mas seu cérebro não acha. Pelo contrário, ele faz uma verdadeira ginástica para se adaptar ao ato de ler. Neste momento, uma revolução de sinapses está acontecendo a cada fração de segundo para que você possa decifrar as palavras aqui impressas. Isso porque a escrita é algo recente, se pensarmos na escala da evolução humana (tem cerca de 5 mil anos). Quem conseguir se lembrar do próprio processo de alfabetização vai saber que não se trata de algo tão fácil. “Todas as crianças, seja qual for a língua, encontram dificuldades para aprender a ler. Estima-se que 10%, quando adultas, não dominem a compreensão de texto”, afirma o matemático e neurocientista francês Stanislas Dehaene.

20111129022537_dehaene_neuronios_leitura_gEm seu livro Os neurônios da leitura (Artmed, 2012), o diretor da Unidade de Neuroimagem Cognitiva do Instituto Nacional de Pesquisa Médica e de Saúde da França mostra que pesquisas da psicologia cognitiva experimental já mapearam as áreas envolvidas no reconhecimento da palavra escrita no cérebro. Tal descoberta questiona metodologias empregadas nas escolas, que, em sua maioria, diz Dehaene, fazem do aluno uma máquina de soletrar, incapaz de prestar atenção no significado.

Segundo ele, o cérebro aprende melhor pelo som do que pela imagem. Ou seja: o ensino deveria ser centrado nos fonemas, e não em figuras. Tanto que, foi constatado, há um progressivo aumento da atividade de duas regiões cerebrais ligadas ao tratamento fonológico durante o aprendizado da leitura.

Nascido no norte da França, Dehaene primeiro se dedicou aos estudos da matemática. No entanto, sua paixão sempre foi o funcionamento do cérebro. Hoje, é professor no Collège de France. “Meu interesse pela capacidade de ler é porque se trata do principal movimento que o cérebro realiza ao longo da vida. Há outra mudança importante, que é o aprendizado da matemática.” Ele pretende que a pedagogia e a psicologia possam se beneficiar dos estudos da neurociência para criar métodos de ensino mais eficazes. “A escola transforma nosso cérebro”, diz. “Para o bem, claro”, completa.

RNE: O senhor afirma que a leitura causa uma reviravolta nas nossas funções cerebrais preexistentes. Por quê?
Dehaene: Em primeiro lugar, gostaria de lembrar que a leitura é uma das várias atividades que o homem criou nos últimos milhares de anos. E trata-se de uma das mais recentes. A escrita nasceu há cerca de 5.400 anos e o alfabeto propriamente dito não tem mais de 3.800 anos. Se pensarmos na evolução humana, esse tempo é mínimo. Nosso genoma ainda não teve tempo de se alterar para dar conta de desenvolver um cérebro adaptado à leitura. Por isso, afirmo que o ato de ler é uma revolução: mesmo sem termos essa capacidade, o estudo de imagens cerebrais nos mostra que adquirimos mecanismos extremamente requintados exigidos pelas operações da leitura.

RNE: Como isso acontece em nosso cérebro?
Dehaene: Temos uma plasticidade sináptica desde que nascemos até a idade adulta. É ela que faz uma reconversão parcial da arquitetura do nosso córtex visual de primatas para reconhecer letras e palavras. Aprender a ler possibilita uma conversão de redes de neurônios, inicialmente dedicadas ao reconhecimento visual de objetos. Embora não exista uma área pré-programada para a leitura, podemos localizar diversos setores do córtex cerebral como responsáveis pela atividade. Um setor está em contato com as entradas visuais; outro codifica essas entradas com precisão espacial; outro integra as entradas de uma vasta região da retina, e assim sucessivamente. No córtex estão os neurônios mais adaptados à tarefa de ler. Especificamente, nos humanos, quem responde é o córtex occipitotemporal esquerdo. Porém, se no curso da aprendizagem, por alguma razão, essa região não estiver disponível, então a região simétrica do hemisfério direito entra em jogo.

RNE: Isso quer dizer que o cérebro é tão plástico que é capaz de se transformar e atender a qualquer uma de nossas necessidades?
Dehaene: Não. Existe a teoria, aliás, revisitada por inúmeros pesquisadores, que aderem a um modelo que eu chamo de plasticidade generalizada e relativismo cultural. Segundo ela, o cérebro seria tão flexível e maleável que não restringiria em nada a amplitude das atividades humanas. Diferentemente de outras espécies, ele seria capaz de absorver toda forma de cultura. Pretendo mostrar em meu livro que dados recentes da imagem cerebral e da neuropsicologia recusam esse modelo simplista. Ao examinar a organização cerebral dos circuitos da leitura, vemos que é falsa a ideia de um cérebro virgem, infinitamente maleável, capaz de absorver todos os dados de sua cultura.

RNE: Entretanto, somos capazes de atividades extraordinárias, como ler, por exemplo.
Dehaene: Sim, nosso cérebro é evidentemente capaz de aprender. Porém, essa capacidade é limitada. Em todos os indivíduos do mundo, não importa a cultura ou o idioma, a mesma região cerebral – com diferenças mínimas – é ativada para decifrar palavras escritas. Minha hipótese é diferente dessa do relativismo. Proponho o que chamo de “reciclagem neuronal”. De acordo com essa hipótese, acredito que a arquitetura do nosso cérebro é construída com bases fortes genéticas. Mesmo assim, os sentidos do nosso córtex visual possuem uma margem de adaptação, uma vez que a evolução nos dotou de certa plasticidade e capacidade de aprendizagem. Isso quer dizer que os mesmos neurônios que reconhecem rostos ou corpos podem desviar-se de suas preferências e responder a objetos ou formas artificiais, como as letras. Nosso cérebro se molda ao ambiente cultural, não respondendo cegamente a tudo o que lhe é imposto. Ele apenas converte a outro uso suas predisposições já presentes. Ele faz o novo com o velho. O cérebro não evoluiu para a escrita, por exemplo. Foi a escrita que evoluiu para nosso cérebro.

RNE: Como “a escrita evoluiu para o nosso cérebro”?
Dehaene: Examine os sistemas de escrita. Eles revelam numerosos traços em comum. Por exemplo: todos, sem exceção, incluindo caracteres chineses, utilizam um pequeno repertório de base cuja combinação gera sons, sílabas e palavras. Essa organização se ajusta à hierarquia das nossas áreas corticais, cujos neurônios reconhecem unidades de tamanho e invariância crescentes. O tamanho e a posição dos caracteres também correspondem à nossa capacidade de visualização e retenção.

RNE: Dessa forma, existe então um sistema de alfabetização mais eficaz para nosso cérebro?
Dehaene: Sem dúvida. Em vez de focar os esforços no ensino das unidades visuais, é preciso mudar para unidades auditivas. Sons, fonemas. Jogos fonológicos podem auxiliar, desde pequena, a criança a reconhecer palavras. É preciso ajudar a criança a identificar os diferentes sons que compõem uma palavra para só depois fazê-la compreender que as letras representam esses sons. Depois disso é que a criança estará pronta para juntar as letras. Desconfio de cartilhas muito coloridas e bonitas, cheias de desenhos e pouco texto, assim como cartazes desenhados nas paredes da escola que trazem as mesmas letras na mesma posição o ano inteiro. Existe um risco enorme de os alunos – em geral, os mais brilhantes – memorizarem as posições fixas de cada palavra ou a aparência da página. Dão a impressão de saberem ler, mas não sabem.

 

É preciso ajudar a criança a identificar os diferentes sons que compõem uma palavra para só depois fazê-la compreender que as letras representam esses sons. Depois disso é que a criança estará pronta para juntar as letras.

 

RNE: Existe, portanto, diferença entre aprender a ler e compreender o texto.
Dehaene: Sim, claro. A compreensão daquilo que se lê não está descrita em minha pesquisa. Mas isso requer a mobilização de competências cognitivas muito mais complexas do que as envolvidas no processo da alfabetização. Para compreender não é necessário saber ler. Há adultos analfabetos que entendem muita coisa, apenas não aprenderam a ler.

RNE: Existe idade ideal para aprender a ler? Há prejuízos quando isso ocorre na idade adulta?
Dehaene: Pesquisei toda a literatura disponível a respeito da idade ideal para a alfabetização. Há países que alfabetizam alunos com 6 ou 7 anos e até mais tarde. Outros, com 4 anos. Não encontrei nada que sugira que exista um período crítico para esse aprendizado. Não haverá danos para o cérebro se o aprendizado for mais tarde – ele reconhece objetos novos o tempo todo, não importa a idade. Continuamos aprendendo, mesmo aos 40, 50 anos. Há diversos estudos internacionais com adultos que aprenderam a ler perfeitamente. Portanto, não acredito nessa limitação.

RNE: Há alguma ativação cerebral peculiar em quem lê e fala mais de um idioma? E em quem domina línguas com alfabetos ou grafias diferentes?
Dehaene: Nós não sabemos o que se passa exatamente com pessoas bilíngues, ou seja, alfabetizadas em dois idiomas. Fizemos experiências com pessoas que leem chinês e outra língua e constatamos que praticamente a mesma região cerebral é ativada. Evidentemente devem existir microdiferenças, mas nada marcante.

RNE: Nosso cérebro decodifica letras e números da mesma maneira?
Dehaene: Não. Os estudos mostram que não é a mesma região cerebral que analisa as letras e os números. Pesquisamos pessoas que perderam a capacidade de ler e continuam reconhecendo números. Há uma pequena região lateral, a um centímetro daquela que reconhece as palavras, que é a responsável pelos números. As formas das letras e dos números são diferentes e culturais. As letras estão ligadas à linguagem e os números, ao senso de quantidade. São dois sistemas diferentes de entendimento.

RNE: De que forma acontece a alfabetização no cérebro de pessoas cegas e surdas?
Dehaene: É extraordinário, pois os cegos que aprendem a ler em braile, uma atividade tátil, ativam a mesma região cerebral da leitura. É incrível, pois essa região não recebe estímulos visuais, mas recebe os estímulos táteis. As formas visuais das palavras são ativadas pelo tato, ao tocar as letras em braile. É uma experiência que transforma as imagens em sons, o que demonstra que a língua falada não é exclusivamente visual, ela também é tátil. O aprendizado em braile é muito eficiente. No caso dos surdos, o aprendizado é mais difícil. É como aprender a ler numa outra língua – uma criança brasileira lendo em chinês, por exemplo. Ela não conhece os fonemas, as representações fonéticas. É preciso que o professor tenha o conhecimento dessa dificuldade, e uma maneira de trabalhar é ajudando o aluno a tomar consciência da fonologia, tocando em sua boca a região correspondente ao fonema quando se pronunciam as palavras. Quero lembrar, no entanto, que todas as crianças são capazes de aprender a ler, sem exceção. Algumas com um pouco mais de dificuldade, outras não.

RNE: Além das estratégias de sala de aula, há outras atividades que favorecem o aprendizado da leitura e da escrita?
Dehaene: O sono é essencial para consolidar a aprendizagem. É o que cérebro faz durante a noite. Pais que reclamam de dificuldades de aprendizado ou de distúrbios de atenção devem, num primeiro momento, entender que a noite é para dormir, e não para ficar no computador ou na televisão. Todos os cérebros são capazes de aprender. Apenas é preciso sistematizar o ensino.

RNE: Pesquisas mostram que os brasileiros leem pouco e não praticam a atividade por prazer. Uma das causas pode estar no processo de alfabetização?
Dehaene: Eles podem não ler livros, mas leem muito pela internet. Hoje há formas diferentes de leitura. Na internet, é possível ler bastante, pesquisar, procurar novas informações. Há muito mais pesquisas, por exemplo, do que antes. Não acredito na falência da leitura, muito pelo contrário. Acho que ela vai continuar, mas de outra forma. Assim como nós também evoluímos desde Gutenberg (gráfico alemão que revolucionou a escrita com a invenção da prensa de tipos móveis). Vamos descobrir novos meios de escrita e leitura. E, com certeza, nosso cérebro vai se moldar novamente.