IV Encontro Sobre Neurociências na Educação

f6cfa4_17debd52837f44e8873e2a99ba6d3c9amv2Estarão abertas as inscrições, até o dia 24 de abril de 2017, para o IV Encontro sobre Neurociências na Educação (NeuroEdu 2017), que acontecerá na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas no dia 05 de maio de 2017. De acordo com o site do evento, o encontro “apresentará leituras teóricas e práticas resultantes de trabalhos educativos e científicos sobre neurociências aplicadas à educação“.

As normas para elaboração dos trabalhos estão disponíveis no site do encontro. A programação foi dividida em dois eixos temáticos “Neurociências” e “Educação”:

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Leonor Guerra: “o educador é quase um neurocirurgião”

Professora da UFMG e coordenadora do projeto NeuroEduca fala sobre a importância das emoções na aprendizagem

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A aquisição de novas habilidades, conhecimentos e competências é resultado de processos que acontecem no cérebro. A memória, atenção, percepção e até mesmo emoção são funções que estão em jogo na hora de aprender um novo conteúdo. Se o cérebro é o órgão responsável pela aprendizagem, compreender melhor o seu funcionamento pode ser útil para o dia a dia do professor. “O educador é quase um neurocirurgião que, sem abrir o cérebro, consegue mudar conexões por meio dos órgãos do sentido”, compara a professora Leonor Guerra, do departamento de morfologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

A base da aprendizagem está na reorganização dos neurônios. A professora da UFMG afirma que nosso cérebro se desenvolveu ao longo da evolução para garantir a sobrevivência, e não necessariamente para ter sucesso na escola. “Eu só vou aprender novas coisas se aquilo fizer diferença para minha possibilidade de adaptação”, explica.

Quando um aluno compreende que o seu mecanismo de sobrevivência na escola é conseguir nota, a especialista afirma que ele começa a criar uma série de estratégias para atingir o seu objetivo, ainda que isso não resulte em aprendizagem, como a famosa tática de estudar às vésperas da prova. “Se a avaliação permite que ele seja bem-sucedido com essa estratégia, ele vai permanecer nela.”

Para uma criança ou adolescente adquirir novas competências, Leonor defende que o conteúdo deve ser significativo e relevante. Defende ainda que uma das maiores tarefas do educador é encantar o aluno com o conteúdo. ‘‘A emoção é o carro-chefe da aprendizagem. O professor tem que saber que a emoção que ele desencadeia no aluno, positiva ou negativa, vai ter uma efeito”, aponta a professora da UFMG, que também é coordenadora do projeto NeuroEduca, iniciativa de extensão da universidade voltada para divulgação de informações para orientar profissionais da área de educação sobre conceitos básicos de neurociência.

Durante as formações com educadores, que acontecem em de cursos de atualização ou palestras de sensibilização, a médica e especialista em neuropsicologia conta que muitos professores ainda apresentam dificuldades ao estabelecer relações entre pesquisas da neurociência e a prática de sala de aula. Segundo ela, isso pode ser um resultado da falta de contato com esse conteúdo no período da formação inicial.

De acordo com Leonor, a interação com essa área de conhecimento confere maior autonomia e criatividade para o professor. “Ele fica menos atrelado à receitas e consegue flexibilizar melhor a sua estratégia pedagógica, atendendo especificidades do aluno em sala de aula”, aponta.

Embora seja útil conhecer como o sistema nervoso processa informações e estímulos, a professora ainda adverte: “não quer dizer que ele [o educador] vai conseguir resolver todos os problemas da aprendizagem, mas ele vai entender porque uma aula tem um resultado melhor do que outra, ou porque alguns alunos são melhor sucedidos do que outros.”


Matéria originalmente publicada no site Porvir, em setembro de 2015.

 

Neurociência e aprendizagem

De forma didática, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel fala sobre a contribuição das ciências do cérebro na compreensão do processo de aprendizagem. De acordo com Roberto Lent, professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, a aprendizagem pode ser definida como “o processo de aquisição de novas informações que vão ser retidas na memória. Através dele nos tornamos capazes de orientar o comportamento e o pensamento. Memória, diferentemente, é o processo de arquivamento seletivo dessas informações, pelo qual podemos evocá-las sempre que desejarmos, consciente ou inconscientemente. De certo modo, a memória pode ser vista como o conjunto de processos neurobiológicos e neuropsicológicos que permitem a aprendizagem” (In: Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais da neurociência. São Paulo: Atheneu, 2001, p.594).

 

Sistema educacional e transformação social

Este texto é parte do artigo “Contribuições de uma perspectiva revolucionária para o debate sobre educação” presente na Revista “Educação e luta de classes”. Publicado originalmente no site Esquerda Diário, em 09/08/2016.


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Por João de Regina e Aline Guerra

A massificação da educação no capitalismo longe de significar sua universalização, significou a criação de sistemas educacionais altamente estratificados. As escolas públicas precarizadas garantem o ensino da grande massa da população e alguns centros de formação distantes aos trabalhadores garantem ensinos que são como base para profissões liberais. Conforme os jovens vão crescendo, provas e concursos os selecionarão para determinadas profissões. Alguns estudantes de escolas privadas, e os melhores de algumas escolas públicas, garantem seu acesso a “boas universidades” – algumas públicas, outras privadas – filhos dos grandes ricos possuem seu acesso garantido em universidades no exterior ou centros de excelência privados e públicos no Brasil. Essas universidades garantem a qualificação profissional de cargos que são vinculados aos conhecimentos complexos, aos altos cargos de gerência, administração, da burocracia estatal e empresarial, ou às “profissões científicas”. Uma parcela bastante pequena da população, após passar seus 20 anos de “carreira educacional”, poderá ocupar estes lugares e se sentirem próximos dos meios burgueses, devido seus altos salários.

Em compensação, os trabalhadores desde cedo precisam combinar o estudo às mais diversas estratégias de trabalho; conviver no ambiente escolar com as penúrias de sua vida cotidiana: violência, fome, desemprego dos pais, trabalho doméstico, doenças, precarização geral da vida; como se não bastasse estar distante das consideradas “escolas de excelência”, a forma em que lhes é exigido o sucesso escolar é incompatível com sua vida; estudar alguns anos em cursinhos para entrar em uma universidade de excelência lhes é um empecilho frente às necessidades de trabalho que já lhes são impostas na adolescência, e muitas vezes antes. Como o mercado lhes exige determinados níveis de qualificação profissional, alguns destes jovens batalham para combinar o cotidiano escolar a cursos profissionalizantes e técnicos, buscando os cargos com salários um pouco melhores no mercado de trabalho. Entre os cursos técnicos os jovens se deparam novamente com os cursos de excelência com processos de seleção e os considerados de não tão boa qualidade. Assim, os sistemas educativos nos países capitalistas, utilizando os mais variáveis mecanismos, são verdadeiras máquinas de divisão social. O critério ideológico desta divisão é o mérito.

 

“… os sistemas educativos nos países capitalistas, utilizando os mais variáveis mecanismos, são verdadeiras máquinas de divisão social”

 

Uma das formas de justificação deste sistema de estratificação é a valorização abstrata do conhecimento intelectual combinada com a ideologia da neutralidade escolar. Por um lado, a escola ensina que este conhecimento é a base de toda profissão e que o sucesso na vida dependerá da aptidão dos jovens nestes ensinos. Logo, nada mais natural que aqueles não bem sucedidos ocupem os cargos que menos necessitam qualificação que, consequentemente são consideradas as profissões de menor prestígio social. Ora, esta ideologia joga para as costas do próprio jovem o fracasso escolar.

Combinado a isso, a escola se apresenta como neutra, desvinculada da política aparenta não tomar lado nas principais questões sociais e políticas da vida. Esta é a principal causa do porque a escola é uma instituição estranha e opressora à grande maioria dos jovens.

Sobre este ponto, Nadežda Krupskaja escreve: “A escola, a pretexto de ser neutra, não aborda as questões que estão na base da existência das crianças, acima de tudo das crianças proletárias: os salários, as greves, o desemprego, as guerras coloniais. Tal escola transforma-se “numa escola de silêncio para a criança, uma escola de morte” (citado em [Georges] Snyders).

Educação e a luta contra o Estado burguês

Existem, pela direita e pela esquerda, ideologias, teses e teorias que apostam em novos modelos de educação capazes de formar novas consciências como pressuposto para o surgimento de uma nova sociedade. O marxismo combate tais visões como expressões idealistas, não porque considera a educação simples determinação da economia, mas concebe de maneira dialética que não existe socialismo e nenhum tipo de emancipação humana por fora do fim do capitalismo e do estabelecimento de uma sociedade sem classes. Marx, no Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores, estabeleceu tal relação da seguinte maneira:

 

“Por um lado é necessário modificar as condições sociais para criar um novo sistema de ensino; por outro falta um sistema de ensino novo para poder modificar as condições sociais. Consequentemente é necessário partir da situação atual”

 

A primeira luta de Marx e Engels, portanto, foi contra as formas de socialismo utópico e diversas leituras que buscavam respostas no campo da educação, da ciência ou mesmo formações sociais, deslocadas do movimento real histórico – nesse sentido não se embatiam contra o Estado burguês. Muitos dos socialistas utópicos consideravam que o desenvolvimento da ciência, da educação e de modelos de organização democráticos dariam o exemplo que mostrariam na prática “a verdade” de que o socialismo era mais viável. Desconsideravam que o desenvolvimento histórico influenciava os interesses sociais que tornavam as principais classes no capitalismo antagônicas. Não perceberam os socialistas utópicos que “a verdade” das armas da crítica do socialismo só seria provada pela crítica das armas. Saint-Simont chegou a conclamar “a tomada do poder pela ciência” e outros teóricos, como o alemão [Werner] Sombart, bem menos críticos ao capitalismo que os socialistas utópicos, contra os revolucionários afirmaram: “Como queriam eles arrancar pela luta aquilo que deveria ser provado?”

Marx e Engels combateram, ao mesmo tempo, as teorias idealistas que consideram possível transformar a consciência por fora da transformação das condições de existência, quanto às teses de um materialismo contemplativo, onde não existe espaço para ação humana transformadora. Nas teses sobre [Ludwig] Feuerbach, os fundadores do comunismo irão encontrar a síntese entre a compreensão de que “a existência determina a consciência” e de que os homens através da práxis podem transformar o mundo ao qual fazem parte.

 

“A doutrina materialista sobre a modificação das circunstâncias e da educação de que os seres humanos são produtos das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias são modificadas pelos homens e que o próprio educador tem de ser educado .(…) A coincidência entre a alteração das circunstâncias e a atividade ou automodificação humanas só pode ser apreendida e racionalmente entendida como práxis revolucionária”

 

Mas não foi apenas com as formas utópicas em que se travou o debate teórico e político. Mesmo no interior das organizações socialistas, Marx travou importantes batalhas. Um exemplo ilustrativo se deu em sua luta contra a corrente de Lassale na Crítica do Programa de Gotha. Neste, Marx combatia um programa que expressava uma adaptação ao Estado burguês e uma concepção reformista e oportunista das lutas operárias. Marx fez questão de demonstrar como o programa levantado pelo Partido Alemão se limitava aos limites impostos pelo Estado burguês.

Um dos pontos que Marx vai criticar está exatamente na forma como o Partido Operário Alemão levantava a bandeira da universalização da Educação: “O Partido Operário Alemão exige, como base espiritual e moral do Estado: Educação popular universal e igual sob incumbência do Estado. Escolarização universal obrigatória geral. Instrução gratuita”. Marx defendeu que tal programa colocado genericamente defendia, em última instância, uma educação feita pelo Estado burguês: “Educação popular universal igual? O que se entende por essas palavras? Crê-se que na sociedade atual (e apenas ela que está em questão aqui) a educação pode ser igual para todas as classes?

O programa não evidenciava a principal questão levantada por Marx, a educação no capitalismo corresponde a este modo de produção. Logo não pode ser uma educação igual a todas as classes. Depois o programa conclama para o Estado o papel de educar a população e Marx estabelece:

 

Absolutamente condenável é uma “educação popular sob incumbência do Estado”. Uma coisa é estabelecer, por uma lei geral, os recursos das escolas públicas, a qualificação do pessoal docente, os currículos, etc, e, como ocorre nos Estados Unidos, controlar a execução dessas prescrições legais por meio de inspetores estatais, outra muito diferente é conferir ao Estado o papel de educador do povo! O governo e a Igreja devem antes ser excluídos de qualquer influência sobre a escola

 

Marx mostrava que, ao levantar a questão da universalização da educação desligada das questões concretas das condições sociais, da sociedade de classes, não evidenciavam o fundamental: que a classe operária precisa ter um projeto pedagógico distinto da burguesia. E que essa universalização precisa ser feita pelos operários e suas lutas e não poderá ser feita de forma definitiva pela burguesia e este Estado. O nível de abstração do programa em torno da educação poderia acabar por deixar o partido alemão a reboque dos projetos de expansão educacionais encampados pela própria burguesia.

A Comuna de Paris como inspiração

Se olharmos a primeira experiência de poder operário da história (a Comuna de Paris, de 1871), perceberemos que os revolucionários que participaram dela compreenderam esta questão rápido. Ainda que a Comuna não teve tempo para reestruturar o sistema de ensino ela percebeu a necessidade de tirar o sistema educacional das mãos da classe dominante e questionar seus preconceitos de classe e sua ingerência governamental:

 

A comuna ansiava por quebrar a força espiritual de repressão, o “poder paroquial”, pela desoficialização e expropriação de todas as igrejas como corporações proprietárias. Os padres foram desenvolvidos ao retiro da vida privada, para lá viver das esmolas dos fiéis, imitando seus predecessores, os apóstolos. Todas as instituições de ensino foram abertas ao povo gratuitamente e ao mesmo tempo purificadas de toda a interferência da Igreja e do Estado. Assim, não somente a educação se tornava acessível a todos, mas a própria ciência se libertava dos grilhões criados pelo preconceito de classe e pelo poder governamental

 

A Comuna de Paris nos deu sinais para compreender quais são os métodos com que a classe operária precisará da escola. Colocar as instituições e instrumentos escolares nas mãos dos professores e do próprio povo com seus mecanismos de democracia direta é a possibilidade de evitar a fragmentação que a burguesia impõe ao sistema educacional. Ao mesmo tempo, a Comuna mostrou a necessidade de a classe operária ser intransigente sobre a existência de apenas um sistema educacional de massas que não possibilite nenhum tipo de apropriação privada.

Além de desvincular a educação da lógica burguesa, a Comuna de Paris nos legou uma herança de combate que ainda segue vigente: a sua libertação da influência religiosa. Isto que em tese foi uma reivindicação da própria burguesia na revolução francesa adquiriu uma vida extremamente instável no capitalismo. A burguesia, para continuar seu poder, precisa se combinar também com o que existe de formas e instituições ideológicas das mais atrasadas, como é o caso das igrejas. Mesmo nos países mais avançados, o Estado e a Igreja se unem periodicamente para diminuir a importância desta conquista social que é o ensino laico. Mesmo na França, um século após a revolução francesa, o Estado quis novamente responsabilizar os padres pelo ensino da população camponesa.

 

Mesmo nos países mais avançados, o Estado e a Igreja se unem periodicamente para diminuir a importância desta conquista social que é o ensino laico

 

Nos Estados Unidos não é incomum descobrirmos a existência de discursos criacionistas e antidarwinistas nas escolas. Nos países subdesenvolvidos a ideia de um Estado e uma educação laicos é uma realidade ainda mais instável. O Estado burguês nestes países nunca chegou a ter um enfrentamento direto com a Igreja. Pelo contrário, considera-a como uma instituição social e através de incentivos fiscais garante seu fortalecimento e a propagação das suas ideias. Com esses incentivos às igrejas, atualmente com ênfase nas evangélicas, ganham espaços dentro das escolas. A presença das igrejas dentro da escola fortalece seu prestígio fora, e como ela ganha as famílias fora da escola, ela se fortalece dentro.

Por outro lado, o capitalismo também sabe mistificar a própria ideia de laicidade e transformá-la a seu favor. Comumente o Estado fortalece as religiões de origem cristã e, como estas estão mais intrincadas com o cotidiano capitalista, utilizam o discurso da laicidade para oprimir as populações imigrantes e as religiões de minorias políticas. Compreendemos que só um ensino laico garantido pela classe operária e pela expropriação econômica e política das igrejas e negócios religiosos poderemos acabar com a influência dos preconceitos religiosos. A burguesia não pode cumprir até o final nem suas primeiras e mais importantes reivindicações progressivas!

A luta de classes na escola e a luta pela apropriação dos saberes produzidos pela humanidade

As teses céticas sobre a escola e educação chegam, muitas vezes, à ideia de que não existe nada no conhecimento atual que a classe operária e a revolução precisarão se apropriar e utilizar. Consideramos tal visão idealista e a-histórica. Com certeza a classe operária precisará jogar na lata de lixo da história muitos preconceitos, falsas ciências e misticismos religiosos produzidos na sociedade de classes. Mas para isso a classe operária precisará estar disposta a se apoderar e aprimorar tudo o que a humanidade produziu de mais avançado até hoje. Da difusão massiva e da discussão democrática em torno destes conhecimentos os homens após a revolução saberão o que aproveitar e o que não.

Consideramos que existe objetividade em boa parte dos conhecimentos produzidos pela humanidade, ainda que concordemos que estes conhecimentos na maioria das vezes são utilizados contra a classe operária, entendemos que a revolução deverá se apropriar deles.

Por um lado, sabemos que a técnica e a tecnologia, dentro do capitalismo, não são progressistas. Ela é utilizada para o aumento da mais valia relativa e para o disciplinamento rítmico, físico e moral da classe operária. Não temos ilusões no desenvolvimento técnico-científico dentro do capitalismo. Porém, sabemos que conhecimento e tecnologia são experiências humanas com o mundo externo. Ou seja, técnica e conhecimento correspondem a uma relação entre capacidade produtiva humana e propriedades objetivas do mundo. Neste sentido compreendemos que existe valor de uso na tecnologia e no conhecimento, e defendemos que este valor de uso seja apossado pela classe operária para poder desenvolver a cultura e a técnica humana, e não fazer, como a burguesia, que desenvolve a exploração do homem pelo homem. Outra política na qual o marxismo faz questão de se diferenciar é a de que devemos nos voltar apenas para os métodos de pedagogia alternativa e virar as costas para a educação formal apenas criando exemplos de pedagogias libertadoras. Tal política combina-se muito com a estratégia autonomista que, em última instância propõem métodos de vivência alternativos por dentro do capitalismo, lidando com a revolução social como algo distante e abstrato.

Encontramos nestas teses uma compreensão filosófica idealista, parecida com a que criticamos anteriormente nos socialistas utópicos, onde se acredita que é possível transformar a consciência sem revolucionar as condições sociais. Nós concordamos com Leon Trotsky quando ele discutia a educação de uma sociedade comunista na Rússia revolucionária:

 

A perspectiva utópica e humanitário-psicológica é a de que o novo homem deve primeiro ser formado e de que depois, então, ele criará as novas condições [de vida]. Não podemos acreditar nisso. Nós sabemos que o homem é produto das condições sociais. Mas sabemos também que, entre os seres humanos e as condições objetivas, existe uma complicada e ativa interação mútua. O próprio homem é um instrumento deste desenvolvimento histórico, e não é o menos importante

 

Exatamente por isso não podemos abandonar a escola, que já conta com a inserção de grandes massas de trabalhadores. Precisamos trabalhar no seu interior para tira-las das mãos da burguesia e transformá-la em um “instrumento contra este predomínio de classe”.

Qual postura a esquerda deve ter em relação ao sistema educacional?

Primeiramente, o combate cotidiano contra a ideia da escola neutra. Politizar o ambiente escolar é um passo para transformá-lo em uma escola familiarizada para os jovens e filhos da classe trabalhadora. A escola sobre o pretexto de ser neutra não pode deixar de discutir questões fundamentais para a população trabalhadora: como a precarização do trabalho, a violência policial contra os negros, os desalojamentos, a imigração, o sistema penitenciário seletivo, entre outros. É necessário que estes temas sensíveis da população sejam discutidos na escola, combinado ao melhor funcionamento do ensino das matérias curriculares, elevando o conhecimento técnico, artístico, teórico e histórico dos jovens para que estes utilizem a escola da forma que mais desejam: transformar a própria vida! É necessário transformar a escola em instrumentos de hegemonia operária e popular, de aliança entre professores, estudantes, trabalhadores e a comunidade contra o Estado capitalista.

 

A escola sobre o pretexto de ser neutra não pode deixar de discutir questões fundamentais para a população trabalhadora: como a precarização do trabalho, a violência policial contra os negros, os desalojamentos, a imigração, o sistema penitenciário seletivo, entre outros

 

Procuramos demonstrar neste texto como a realidade intrincada entre educação e mundo do trabalho coloca uma contradição importante para as estratégias e programas de quem pretende transformar este modo de produção. Por um lado, a educação expressa um avanço específico das forças produtivas e o sistema escolar é uma criação do capitalismo que faz parte dos seus avanços frente aos privilégios estamentais da sociedade feudal. Os revolucionários não pretendem fazer voltar a roda da história, portanto, de forma alguma podem se desfazer da defesa de progressos parciais que a escola e a educação apresentam. Neste sentido, nós defendemos todas as conquistas democráticas presentes na escola e ainda denunciamos que a burguesia e o Estado não pretendem manter essas conquistas eternamente. Por outro lado, a educação em uma sociedade de classes não pode nunca ser igualitária. O capitalismo se utiliza da escola como formadora de força de trabalho submetida à lógica do capital e tenta fazer dela uma disciplinadora da população.

Para responder a esta contradição compreendemos que o marxismo sempre precisou articular as discussões e programas sobre a educação a um programa vinculado a toda a classe operária e a um projeto socialista de sociedade. Ou seja, os comunistas defendem a elevação cultural em grande escala das grandes massas da população sem depositar confianças no Estado capitalista, na forma como a burguesia se apropria da educação e, muito menos no discurso de que está na difusão das instituições educacionais na sociedade o segredo contra a desigualdade social. Ao mesmo tempo, consideramos que para arrancar as instituições educacionais das mãos burguesas e colocá-las a serviço dos trabalhadores e do socialismo não podemos deixar de utilizar o que já foi produzido de progressivo pela humanidade.

Neste sentido, não acreditamos, também em nenhum utopismo idealista e ceticista que conclame que a classe operária não precisará utilizar nenhum dos conhecimentos produzidos até agora porque eles são “em si” burgueses. Continuamos com a proposta apresentada por Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista: “Os comunistas não inventaram a intromissão da sociedade na educação, apenas mudam seu caráter e arrancam a educação à influência da classe dominante”.

 

 

 

 

 

 

 

Saflate: “problema da UERJ reflete fracasso da sociedade brasileira”

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Em sua coluna na Folha de São Paulo, o professor Vladimir Safatle, da Universidade de São Paulo, fala sobre a crise que a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) enfrenta, e faz uma crítica sobre a sua relação com as desigualdades sociais e as prioridades dos governos.

O texto foi publicado no dia 20/01/2017.


A Universidade Estadual do Rio de Janeiro, uma das mais importantes universidades do país, com cinco campi e 35 mil alunos, está ameaçada de fechar por falta de repasse de verbas. O início de suas aulas foram adiadas devido à ausência absoluta de condições.

Já no ano passado, vimos a cena desesperada de alunos e professores arrecadando cestas básicas para oferecer a funcionários com meses sem receber salários.

Longe de ser um caso isolado, a UERJ é apenas o exemplo mais dramático da situação da educação brasileira pública. Um país que leva universidades ao ponto de fechamento, sem causar nenhuma indignação social efetiva, é um país arruinado. Por isso, há de se dizer que o problema da UERJ não é apenas de seus professores e alunos. Ele é a expressão crua do fracasso puro e simples da sociedade brasileira.

Há dias, um ministro do Supremo Tribunal Federal, o sr. Roberto Barroso, achou por bem tecer considerações sobre o problema afirmando que deveríamos repensar o sistema público de ensino, de preferência apelando a um modelo de financiamento privado. No que ele expressa a opinião de alguns, para quem a educação deve aceitar não ser mais uma prioridade efetiva dos Estados, pois dinheiro não há.

É impossível não ver certa ironia em um representante do Poder Judiciário – o mesmo poder que recebeu, no meio da crise econômica que assola o país, aumento de seus salários monárquicos (causando um impacto de R$ 4,7 bilhões a menos só em 2017) -, falar que há de se aceitar que o Estado não tenha R$ 1,1 bilhão para garantir o orçamento de uma das nossas mais importantes universidades.

Alguém poderia começar por tentar explicar o que era, de fato, mais prioritário ao país: aumentar salários de desembargadores, juízes e afins ou garantir o funcionamento de nosso sistema público de ensino, levando a União a financiar universidades públicas (mesmo que estaduais) combalidas. Como se vê, o problema não é a falta de dinheiro. O problema é: para quem o Estado é, de fato, um Estado mínimo.

Mas tenhamos uma visão de conjunto. No mesmo momento em que o sistema de pesquisa e ensino brasileiro é desmontado, recebemos, graças a Oxfam, a notícia de que as oito maiores fortunas do mundo equivalem aos rendimentos de, simplesmente, metade da população mais pobre do planeta. Alguém poderia se perguntar o que esses dois fatos têm em comum. Eu diria: há uma relação profunda de causa e efeito.

Para que possamos chegar à situação repugnante de oito pessoas terem uma riqueza equivalente ao trabalho da metade mais pobre da população do planeta é necessário, ao menos, dois fenômenos.

Primeiro, uma desqualificação do trabalho manual e seus frutos, com claros interesses de espoliação. Não é apenas a concentração imoral de renda que choca, mas o caráter fictício do valor, que faz do trabalho manual, fundamental para a reprodução material da sociedade global, algo pago apenas no limite da sobrevivência da mão de obra.

Para que essas pessoas sejam ricas, é necessário que o trabalho que está na base da produção seja brutalmente desvalorizado.

Isso pode chegar ao extremo. Lembrem como um dos oito afortunados é dono da Zara, a mesma empresa denunciada, inclusive no Brasil, por se aproveitar de trabalho escravo. Assim se fazem as fortunas.

Um comentarista afirmou, com um tom de condescendência, que Bill Gates (outro afortunado) usa sua fortuna para programas de eletrificação na África. Bem, mas os africanos não precisam da filantropia de Bill, eles precisam apenas de preço justo para seus produtos.

O segundo fenômeno em questão é a demissão do Estado de sua responsabilidade social. Warren Buffett (outro afortunado) chegou a escrever artigos anos atrás dizendo que milionários como ele deveriam pagar mais impostos e que não conseguia entender por que era tão bem tratado pelo fisco do seu país.

Bem, Warren, enquanto pessoas como você são agraciadas, principalmente no Brasil, com o sorriso cúmplice do fisco e dos governos, universidades públicas são fechadas por falta de verba. Mas há sempre aqueles que se identificam com o agressor e julgam que nada disso vale uma batida de panela.

Aprender a ler: uma revolução no cérebro

A Revista Neuroeducação (RNE) publicou, em abril de 2016, uma entrevista com o neurocientista francês Stanislas Dehaene. A entrevista foi conduzida pela jornalista Mariana Sgarioni. Em seguida, assista a uma aula ministrada pelo pesquisador sobre os fundamentos cognitivos da aprendizagem da leitura, com legendas em português.


 

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Ao ler este texto você está executando uma tarefa para a qual seu cérebro não foi concebido. Você pode até achar que a leitura é um ato quase automático. Mas seu cérebro não acha. Pelo contrário, ele faz uma verdadeira ginástica para se adaptar ao ato de ler. Neste momento, uma revolução de sinapses está acontecendo a cada fração de segundo para que você possa decifrar as palavras aqui impressas. Isso porque a escrita é algo recente, se pensarmos na escala da evolução humana (tem cerca de 5 mil anos). Quem conseguir se lembrar do próprio processo de alfabetização vai saber que não se trata de algo tão fácil. “Todas as crianças, seja qual for a língua, encontram dificuldades para aprender a ler. Estima-se que 10%, quando adultas, não dominem a compreensão de texto”, afirma o matemático e neurocientista francês Stanislas Dehaene.

20111129022537_dehaene_neuronios_leitura_gEm seu livro Os neurônios da leitura (Artmed, 2012), o diretor da Unidade de Neuroimagem Cognitiva do Instituto Nacional de Pesquisa Médica e de Saúde da França mostra que pesquisas da psicologia cognitiva experimental já mapearam as áreas envolvidas no reconhecimento da palavra escrita no cérebro. Tal descoberta questiona metodologias empregadas nas escolas, que, em sua maioria, diz Dehaene, fazem do aluno uma máquina de soletrar, incapaz de prestar atenção no significado.

Segundo ele, o cérebro aprende melhor pelo som do que pela imagem. Ou seja: o ensino deveria ser centrado nos fonemas, e não em figuras. Tanto que, foi constatado, há um progressivo aumento da atividade de duas regiões cerebrais ligadas ao tratamento fonológico durante o aprendizado da leitura.

Nascido no norte da França, Dehaene primeiro se dedicou aos estudos da matemática. No entanto, sua paixão sempre foi o funcionamento do cérebro. Hoje, é professor no Collège de France. “Meu interesse pela capacidade de ler é porque se trata do principal movimento que o cérebro realiza ao longo da vida. Há outra mudança importante, que é o aprendizado da matemática.” Ele pretende que a pedagogia e a psicologia possam se beneficiar dos estudos da neurociência para criar métodos de ensino mais eficazes. “A escola transforma nosso cérebro”, diz. “Para o bem, claro”, completa.

RNE: O senhor afirma que a leitura causa uma reviravolta nas nossas funções cerebrais preexistentes. Por quê?
Dehaene: Em primeiro lugar, gostaria de lembrar que a leitura é uma das várias atividades que o homem criou nos últimos milhares de anos. E trata-se de uma das mais recentes. A escrita nasceu há cerca de 5.400 anos e o alfabeto propriamente dito não tem mais de 3.800 anos. Se pensarmos na evolução humana, esse tempo é mínimo. Nosso genoma ainda não teve tempo de se alterar para dar conta de desenvolver um cérebro adaptado à leitura. Por isso, afirmo que o ato de ler é uma revolução: mesmo sem termos essa capacidade, o estudo de imagens cerebrais nos mostra que adquirimos mecanismos extremamente requintados exigidos pelas operações da leitura.

RNE: Como isso acontece em nosso cérebro?
Dehaene: Temos uma plasticidade sináptica desde que nascemos até a idade adulta. É ela que faz uma reconversão parcial da arquitetura do nosso córtex visual de primatas para reconhecer letras e palavras. Aprender a ler possibilita uma conversão de redes de neurônios, inicialmente dedicadas ao reconhecimento visual de objetos. Embora não exista uma área pré-programada para a leitura, podemos localizar diversos setores do córtex cerebral como responsáveis pela atividade. Um setor está em contato com as entradas visuais; outro codifica essas entradas com precisão espacial; outro integra as entradas de uma vasta região da retina, e assim sucessivamente. No córtex estão os neurônios mais adaptados à tarefa de ler. Especificamente, nos humanos, quem responde é o córtex occipitotemporal esquerdo. Porém, se no curso da aprendizagem, por alguma razão, essa região não estiver disponível, então a região simétrica do hemisfério direito entra em jogo.

RNE: Isso quer dizer que o cérebro é tão plástico que é capaz de se transformar e atender a qualquer uma de nossas necessidades?
Dehaene: Não. Existe a teoria, aliás, revisitada por inúmeros pesquisadores, que aderem a um modelo que eu chamo de plasticidade generalizada e relativismo cultural. Segundo ela, o cérebro seria tão flexível e maleável que não restringiria em nada a amplitude das atividades humanas. Diferentemente de outras espécies, ele seria capaz de absorver toda forma de cultura. Pretendo mostrar em meu livro que dados recentes da imagem cerebral e da neuropsicologia recusam esse modelo simplista. Ao examinar a organização cerebral dos circuitos da leitura, vemos que é falsa a ideia de um cérebro virgem, infinitamente maleável, capaz de absorver todos os dados de sua cultura.

RNE: Entretanto, somos capazes de atividades extraordinárias, como ler, por exemplo.
Dehaene: Sim, nosso cérebro é evidentemente capaz de aprender. Porém, essa capacidade é limitada. Em todos os indivíduos do mundo, não importa a cultura ou o idioma, a mesma região cerebral – com diferenças mínimas – é ativada para decifrar palavras escritas. Minha hipótese é diferente dessa do relativismo. Proponho o que chamo de “reciclagem neuronal”. De acordo com essa hipótese, acredito que a arquitetura do nosso cérebro é construída com bases fortes genéticas. Mesmo assim, os sentidos do nosso córtex visual possuem uma margem de adaptação, uma vez que a evolução nos dotou de certa plasticidade e capacidade de aprendizagem. Isso quer dizer que os mesmos neurônios que reconhecem rostos ou corpos podem desviar-se de suas preferências e responder a objetos ou formas artificiais, como as letras. Nosso cérebro se molda ao ambiente cultural, não respondendo cegamente a tudo o que lhe é imposto. Ele apenas converte a outro uso suas predisposições já presentes. Ele faz o novo com o velho. O cérebro não evoluiu para a escrita, por exemplo. Foi a escrita que evoluiu para nosso cérebro.

RNE: Como “a escrita evoluiu para o nosso cérebro”?
Dehaene: Examine os sistemas de escrita. Eles revelam numerosos traços em comum. Por exemplo: todos, sem exceção, incluindo caracteres chineses, utilizam um pequeno repertório de base cuja combinação gera sons, sílabas e palavras. Essa organização se ajusta à hierarquia das nossas áreas corticais, cujos neurônios reconhecem unidades de tamanho e invariância crescentes. O tamanho e a posição dos caracteres também correspondem à nossa capacidade de visualização e retenção.

RNE: Dessa forma, existe então um sistema de alfabetização mais eficaz para nosso cérebro?
Dehaene: Sem dúvida. Em vez de focar os esforços no ensino das unidades visuais, é preciso mudar para unidades auditivas. Sons, fonemas. Jogos fonológicos podem auxiliar, desde pequena, a criança a reconhecer palavras. É preciso ajudar a criança a identificar os diferentes sons que compõem uma palavra para só depois fazê-la compreender que as letras representam esses sons. Depois disso é que a criança estará pronta para juntar as letras. Desconfio de cartilhas muito coloridas e bonitas, cheias de desenhos e pouco texto, assim como cartazes desenhados nas paredes da escola que trazem as mesmas letras na mesma posição o ano inteiro. Existe um risco enorme de os alunos – em geral, os mais brilhantes – memorizarem as posições fixas de cada palavra ou a aparência da página. Dão a impressão de saberem ler, mas não sabem.

 

É preciso ajudar a criança a identificar os diferentes sons que compõem uma palavra para só depois fazê-la compreender que as letras representam esses sons. Depois disso é que a criança estará pronta para juntar as letras.

 

RNE: Existe, portanto, diferença entre aprender a ler e compreender o texto.
Dehaene: Sim, claro. A compreensão daquilo que se lê não está descrita em minha pesquisa. Mas isso requer a mobilização de competências cognitivas muito mais complexas do que as envolvidas no processo da alfabetização. Para compreender não é necessário saber ler. Há adultos analfabetos que entendem muita coisa, apenas não aprenderam a ler.

RNE: Existe idade ideal para aprender a ler? Há prejuízos quando isso ocorre na idade adulta?
Dehaene: Pesquisei toda a literatura disponível a respeito da idade ideal para a alfabetização. Há países que alfabetizam alunos com 6 ou 7 anos e até mais tarde. Outros, com 4 anos. Não encontrei nada que sugira que exista um período crítico para esse aprendizado. Não haverá danos para o cérebro se o aprendizado for mais tarde – ele reconhece objetos novos o tempo todo, não importa a idade. Continuamos aprendendo, mesmo aos 40, 50 anos. Há diversos estudos internacionais com adultos que aprenderam a ler perfeitamente. Portanto, não acredito nessa limitação.

RNE: Há alguma ativação cerebral peculiar em quem lê e fala mais de um idioma? E em quem domina línguas com alfabetos ou grafias diferentes?
Dehaene: Nós não sabemos o que se passa exatamente com pessoas bilíngues, ou seja, alfabetizadas em dois idiomas. Fizemos experiências com pessoas que leem chinês e outra língua e constatamos que praticamente a mesma região cerebral é ativada. Evidentemente devem existir microdiferenças, mas nada marcante.

RNE: Nosso cérebro decodifica letras e números da mesma maneira?
Dehaene: Não. Os estudos mostram que não é a mesma região cerebral que analisa as letras e os números. Pesquisamos pessoas que perderam a capacidade de ler e continuam reconhecendo números. Há uma pequena região lateral, a um centímetro daquela que reconhece as palavras, que é a responsável pelos números. As formas das letras e dos números são diferentes e culturais. As letras estão ligadas à linguagem e os números, ao senso de quantidade. São dois sistemas diferentes de entendimento.

RNE: De que forma acontece a alfabetização no cérebro de pessoas cegas e surdas?
Dehaene: É extraordinário, pois os cegos que aprendem a ler em braile, uma atividade tátil, ativam a mesma região cerebral da leitura. É incrível, pois essa região não recebe estímulos visuais, mas recebe os estímulos táteis. As formas visuais das palavras são ativadas pelo tato, ao tocar as letras em braile. É uma experiência que transforma as imagens em sons, o que demonstra que a língua falada não é exclusivamente visual, ela também é tátil. O aprendizado em braile é muito eficiente. No caso dos surdos, o aprendizado é mais difícil. É como aprender a ler numa outra língua – uma criança brasileira lendo em chinês, por exemplo. Ela não conhece os fonemas, as representações fonéticas. É preciso que o professor tenha o conhecimento dessa dificuldade, e uma maneira de trabalhar é ajudando o aluno a tomar consciência da fonologia, tocando em sua boca a região correspondente ao fonema quando se pronunciam as palavras. Quero lembrar, no entanto, que todas as crianças são capazes de aprender a ler, sem exceção. Algumas com um pouco mais de dificuldade, outras não.

RNE: Além das estratégias de sala de aula, há outras atividades que favorecem o aprendizado da leitura e da escrita?
Dehaene: O sono é essencial para consolidar a aprendizagem. É o que cérebro faz durante a noite. Pais que reclamam de dificuldades de aprendizado ou de distúrbios de atenção devem, num primeiro momento, entender que a noite é para dormir, e não para ficar no computador ou na televisão. Todos os cérebros são capazes de aprender. Apenas é preciso sistematizar o ensino.

RNE: Pesquisas mostram que os brasileiros leem pouco e não praticam a atividade por prazer. Uma das causas pode estar no processo de alfabetização?
Dehaene: Eles podem não ler livros, mas leem muito pela internet. Hoje há formas diferentes de leitura. Na internet, é possível ler bastante, pesquisar, procurar novas informações. Há muito mais pesquisas, por exemplo, do que antes. Não acredito na falência da leitura, muito pelo contrário. Acho que ela vai continuar, mas de outra forma. Assim como nós também evoluímos desde Gutenberg (gráfico alemão que revolucionou a escrita com a invenção da prensa de tipos móveis). Vamos descobrir novos meios de escrita e leitura. E, com certeza, nosso cérebro vai se moldar novamente.

 

 

A contribuição da Educação Popular para a formação profissional em saúde

 

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A Revista Interface – Comunicação, Saúde e Educação – trouxe, em seu último volume de 2016 [v.20(59), 2016], um editorial com o tema “Educação popular e saúde”. Escrito pelos professores Eymard Mourão Vasconcelos (Rede de Educação Popular e Saúde, João Pessoa/PB), Pedro José Santos Carneiro Cruz (Departamento de Promoção da Saúde, Centro de Ciências Médicas, Universidade Federal da Paraíba – UFPB) e Ernande Valentin do Prado (Grupo de Pesquisa em Educação Popular em Saúde, UFPB), o texto  estimula, de maneira provocativa, o debate sobre a eficácia das práticas pedagógicas utilizadas no processo de formação do profissional da área de saúde. Confira!


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No campo educacional brasileiro, o setor saúde tem se destacado pela amplitude e radicalidade das mudanças em relação aos processos pedagógicos voltados para a formação de seus profissionais, tanto no ensino técnico e universitário como nas ações educativas para os trabalhadores de suas políticas públicas.

Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, oportunizou-se uma grande expansão de serviços de atenção primária à saúde, cujos serviços estão muito inseridos na dinâmica da vida comunitária. Isso tem demandado novas necessidades de abordagem e ação profissional, bem como tem desvelado, de maneira mais contundente, pressões e demandas da população que a tradição teórica e prática das diversas profissões de saúde não está preparada para responder. Insatisfações, cobranças e insuficiências quanto aos modos de agir em saúde no cotidiano dos serviços e territórios criaram um clima cultural e político propício para a expansão de muitas iniciativas e propostas de mudança no ensino.
O Ministério da Saúde (MS) foi provocado, como nenhum outro setor das políticas sociais, a intervir diretamente nos currículos dos cursos universitários e técnicos, que antes eram orientados apenas pelas intervenções do Ministério da Educação. Nesse processo, houve incentivo para que secretarias estaduais e municipais de saúde passassem a investir amplamente em processos formativos, que passaram a se orientar pela Política Nacional de Educação Permanente em Saúde no SUS.

Tanto no ensino universitário e técnico, quanto nas ações formativas para os profissionais dos serviços, assistiu-se a uma ampla difusão de inovações metodológicas das práticas pedagógicas e formativas, com grande valorização do que se passou a denominar, de maneira genérica, como metodologias ativas e problematizadoras. Na maioria das vezes, as práticas educativas que utilizam essa denominação pouco valorizam uma leitura crítica da realidade concreta onde os educandos estão inseridos e nem priorizam o debate e a explicitação dos interesses e das intencionalidades políticas presentes nas questões discutidas. A desvalorização dessa discussão mais ampla é conveniente para grupos interessados em fazer mudanças apenas operacionais das práticas profissionais, buscando, sobretudo, o aumento da eficácia técnica às novas demandas sem questionar os contextos, objetivos e interesses institucionais.

Apesar da grande difusão das metodologias ativas e problematizadoras, é ainda dominante, nas práticas educativas concretas do SUS, uma pedagogia centrada na difusão autoritária de informações e condutas, realizada sem mesmo esta preocupação de renovação metodológica acrítica e que Paulo Freire denominaria de educação bancária. Nela, profissionais de saúde e gestores se veem como portadores de verdades que precisam ser inculcadas e generalizadas na população e nos profissionais subalternos. São práticas pedagógicas que se reproduzem a partir da falta de investimento no estudo crítico dos desafios pedagógicos presentes no trabalho em saúde.

Mas vêm crescendo o debate e a constituição de ações mais elaboradas de educação permanente no SUS, em que tem predominado a visão de autores articulados, sobretudo, pela linha de Pesquisa Micropolítica do Trabalho e do Cuidado em Saúde. Esse predomínio teórico e político tem gerado, muitas vezes, a noção de que há uma equivalência entre ela e o conceito de educação permanente. Internacionalmente, no entanto, o conceito de educação permanente é campo de disputa de várias correntes pedagógicas e políticas. A percepção dessa equivalência só existe na saúde pública brasileira.

O movimento de renovação do ensino universitário e técnico por meio de
metodologias ativas e problematizadoras tem acontecido, sobretudo, por meio da concepção educativa denominada Pedagogia Baseada em Problemas (PBL). É uma corrente pedagógica centrada no ensino mais dinâmico de conhecimentos considerados importantes, mas que desvaloriza a discussão crítica dos contextos mais gerais implicados no ensino e no trabalho em saúde.

Até recentemente, a Educação Popular (EP) vinha sendo pouco considerada no debate conceitual sobre educação permanente e reorientação curricular dos cursos de graduação e técnicos do setor saúde. Tal fato se deve, em parte, pelo predomínio da noção de que a EP se orienta apenas para ações educativas voltadas para o público popular. Contudo, o termo Popular não se refere ao público a que se destina a prática formativa, mas, sim, aos pressupostos éticos, à perspectiva política e às abordagens metodológicas que a orientam. Refere-se à valorização dos saberes e das iniciativas dos educandos nos processos educativos, sobretudo pela construção compartilhada do conhecimento, com o compromisso explícito de fortalecimento do protagonismo das classes populares para o
enfrentamento das iniquidades e situações de exclusão social, para a construção de uma sociedade justa, solidária e democrática.

A EP é uma proposta teórica e prática de condução de processos pedagógicos, consolidada na América Latina a partir da década de 1960, que foi muito importante para a formação de lideranças do movimento político que tomou a frente do processo de criação do SUS e da luta por seu aprimoramento. Vem orientando inúmeras práticas de atenção em saúde e ações de movimentos sociais que se relacionam com os serviços, buscando sua ampliação, seu aperfeiçoamento e sua construção cotidiana de modo integrado à dinâmica comunitária, de modo valorativo dos saberes, das práticas e das prioridades das pessoas em seus contextos territoriais. Recentemente, passou a se ocupar, também, com o
repensar da formação dos profissionais de saúde.

No movimento nacional de educadores populares da saúde, especialmente na Rede de Educação Popular e Saúde (http://www.redepopsaude.com.br/), têm sido crescentemente divulgadas e refletidas experiências educativas voltadas para formar doutores e técnicos do setor saúde, como as publicadas em livros, e em vários artigos, alguns dos quais publicados pela Interface, em especial, no suplemento sobre educação popular em saúde.

Nas universidades, iniciativas de extensão orientadas pela EP têm se fortalecido e já constituíram um movimento próprio, a Articulação Nacional de Extensão Popular – ANEPOP (http://www.extensaopopular.blogspot.com) com importantes publicações. Disciplinas dos cursos de graduação começam a buscar na EP inspiração para se organizarem.

Construída a partir de reivindicações e propostas dos vários movimentos nacionais de Educação Popular em Saúde, por meio do Comitê Nacional de Educação Popular em Saúde, a Política Nacional de Educação Popular em Saúde (PNEPS-SUS) foi oficializada em 20137, e tem gerado muitas iniciativas de educação permanente no SUS, como o Programa de Qualificação em Educação Popular em Saúde EdpopSUS (http://www.edpopsus.epsjv.fiocruz.br/) e o Projeto de Pesquisa e Extensão VEPOP-SUS: Vivências de Extensão em Educação Popular e Saúde no SUS (http://www.vepopsus.blogspot.com), cuja ação é nacional, com equipe executiva ancorada na UFPB. Por meio da PNEPS-SUS, o MS tem também produzido publicações para fortalecer a concepção de EP no SUS, como os Cadernos de Educação Popular em Saúde (http://pesquisa.bvsalud.org/bvsms/resource/pt/mis-36844). Em vários estados brasileiros estão se formando comitês estaduais de EP para incentivar que secretarias de saúde valorizem a EP em suas políticas de educação permanente.

Mas em que a EP contribui para a formação profissional?

Para avançar nesta questão, foi organizado em João Pessoa, no mês de novembro de 2014, o I Seminário Nacional de Educação Popular na Formação em Saúde  (http://seminarioepsformacao.blogspot.com.br/). Desde então, o tema passou a ser mais enfatizado nas iniciativas do movimento da EP em saúde, com organização de mesas-redondas, cursos, oficinas e palestras em vários congressos da saúde coletiva brasileira.

Para a EP, a problematização deixa de ser apenas uma estratégia didática, ou, mesmo, um jeito dinâmico de ensinar, para ser um desafio de pesquisa compartilhada entre os educadores e educandos, comprometida com problemas concretos vividos no trabalho e na sociedade. Não é um recurso metodológico para facilitar o ensino de conteúdos predefinidos, mas um comprometimento com os desafios trazidos pela dinâmica de adoecimento e luta pela saúde das pessoas e da sociedade, em um contínuo processo de reflexão, ação, reflexão.

Uma problematização aberta para o novo, o ainda não pensado, e que enfatiza o diálogo autêntico, ou seja, aquele que parte do reconhecimento, pelo educador, dos limites de seus conhecimentos diante dos desafios apresentados por educandos e pela realidade. Busca não apenas o aprendizado mais intenso de conhecimentos considerados previamente como significativos, mas o fortalecimento do protagonismo dos educandos visando à formação de uma sociedade participativa e democrática. A democracia é, também, construída pelo protagonismo cognitivo dos trabalhadores nas instituições e dos cidadãos.

Pela EP, as dinâmicas ativas de ensino passam a ter o sentido de ajudar a explicitar conhecimentos prévios, sentimentos, perplexidades e dúvidas sutis e ainda pouco elaboradas, numa perspectiva de valorização dos saberes e interesses dos educandos e da população, e não uma estratégia para tornar o ensino mais interessante e alegre. Enfatiza não apenas o diálogo entre professor e aluno, pois inclui, no processo de problematização, os saberes e reivindicações dos grupos sociais menos favorecidos e com menor oportunidade de formulação clara e firme de seus interesses e perspectivas. As discussões precisam buscar respostas não apenas internamente entre os envolvidos na prática profissional local, pois elas estão correlacionadas às dinâmicas políticas, econômicas e culturais mais gerais da sociedade, que necessitam ser valorizadas.

Esta concepção valoriza o processo de construção conjunta do conhecimento e das ações de saúde, respeitando a presença de elementos imprevisíveis de emoção e afeto, presentes no encontro humano que se dá no cuidado em saúde. Abre-se para a construção de novos caminhos e processos de cuidado por parte dos trabalhadores a partir de suas próprias iniciativas, capacidades e de seus anseios, de maneira autônoma e compartilhada com os usuários. Inclui, ainda, a possibilidade de questionamento dos arranjos organizacionais dos sistemas de saúde, negando-se a ser concebida como técnica ou tecnologia e, tampouco, almejando ser, obrigatoriamente, seguida como algo imposto ao profissional de saúde para o eficiente funcionamento do sistema.

O aperfeiçoamento das ações de educação permanente não pode ficar restrito ao debate de autores, correntes teóricas e experiências internas ao setor saúde. Trata-se de um debate que atravessa os vários setores das políticas públicas e os diversos continentes do planeta. É importante trazer, para o setor saúde, a experiência e os autores desses outros campos.

Nos espaços de debates e reflexões ocorridos durante o I Seminário Nacional de Educação Popular na Formação em Saúde, priorizou-se o acolhimento e explicitação das diferentes concepções e perspectivas para a reorientação da formação profissional em saúde, em lugar de somente se enfatizar o pensamento próprio da EP. Abriu-se oportunidade para apresentação de pensadores de outras tradições pedagógicas, inclusive, representantes de órgãos governamentais, revelando a insistência do movimento de EP em propiciar debate crítico e reflexão conjunta e dialógica, sobre os vários caminhos de mudanças na formação
profissional em saúde.

Desse modo, acreditamos que a inclusão do movimento da EP em saúde no debate sobre formação profissional está ajudando a explicitar essas diferentes concepções teóricas e políticas presentes no campo.

Este debate está apenas começando. A continuidade na realização de espaços conjuntos de reflexão entre os diferentes, assim como a sistematização de experiências com explicitação de seus aprendizados, limites e desafios, são passos fundamentais e atuais.

Referências
1. Vasconcelos EM, Cruz PJ, organizadores. Educação popular na formação universitária; reflexões com base em uma experiência. São Paulo: Hucitec; 2011.
2. Vasconcelos EM, Frota LH, Simon E, organizadores. Perplexidade na universidade; vivências nos cursos de saúde. São Paulo: Hucitec; 2006.
3. Mano MA, Prado EV, organizadores. Vivências de educação popular na atenção primária à saúde: a realidade e a utopia. São Carlos: EdUFSCar; 2010.
4. Melo Neto JF. Extensão Popular. João Pessoa: Editora UFPB; 2014.
5. Falcão EF. Vivência em comunidades: outra forma de ensino. João Pessoa: Editora UFPB; 2014.
6. Cruz PJSC, Vasconcelos MOD, Sarmento FIG, Marcos ML, Vasconcelos EM, organizadores. Educação Popular na Universidade; reflexões e vivências da Articulação Nacional de Extensão Popular (ANEPOP). São Paulo: Hucitec; 2013.
7. Portaria nº 2.761/2013. Política Nacional de Educação Popular em Saúde no SUS (PNEPS-SUS). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013.

 

 

 

 

 

 

O nascimento de uma palavra

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Deb Roy, pesquisador e diretor do Laboratory for Social Machines do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em palestra proferida para o TED, descreve o processo de desenvolvimento da linguagem de seu filho, em experimento conduzido em sua própria residência. No projeto The Human Speechome, registrou por um período de 90 mil horas (10 horas diárias, do nascimento até os 3 anos da criança), (quase) todas as palavras e conversas entre o pesquisador, sua esposa e a babá, na presença da criança, através de 11 câmeras e 14 microfones instalados em diferentes locais da residência. Um dos objetivos da pesquisa foi determinar, através de modelos matemáticos, a influência do meio ambiente sobre a aquisição da linguagem. Uma pesquisa com profundas implicações sobre a maneira como aprendemos.

Sobre o estudo, ouça como  um “gaaaa” lentamente transformou-se em “água”:   e leia a matéria publicada no wired.com. Alguns dos arquivos publicados sobre o projeto: “The Human Speechome Project“, “New Horizons in the Study of Child Language Acquisition“, “Toward Understanding Natural Language Directions“, “Exploring Word Learning in a High-Density Longitudinal Corpus“.

 

Pensamento crítico: a melhor ferramenta de educação alimentar e nutricional

glogoA Revista de Nutrição publicou, neste mês de dezembro, uma série de artigos sobre a temática envolvida com a Educação Alimentar e Nutricional. Os textos estão disponíveis no site da revista. Reproduzimos, aqui, o interessante editorial sob autoria das pesquisadoras Maria Cláudia da Veiga Soares Carvalho (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Maria Angélica Tavares de Medeiros (Universidade Federal de São Paulo e Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Maria Lúcia Magalhães Bosi (Universidade Federal do Ceará e Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e Shirley Donizete Prado (Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Associação Brasileira de Saúde Coletiva).


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A Revista de Nutrição é um periódico de relevância histórica no campo da Alimentação e Nutrição; um campo que, nos planos científico e profissional, é relativamente recente. Sua fundação como Periódico data de 1988 e, desde então, vem consolidando a produção científica nesse campo, de livre acesso, difundindo resultados de pesquisa, ensaios e discussões, efetivando assim o espírito democrático requerido pela produção científica comprometida com a sociedade.

Em continuidade a essa iniciativa, que reafirma o caráter ético e transformador da ciência, apresentamos neste número a Seção Temática “Educação Alimentar e Nutricional (EAN)”, com o intuito de dar visibilidade à discussão de questões educacionais no campo da Alimentação e Nutrição. Educação Alimentar e Nutricional é tema central e desafiador nas políticas públicas de alimentação desde a formação desse campo e, hoje, ganha força na Política Nacional de Alimentação e Nutrição e na Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Em sua constituição como ciência na década de 1940, mergulhado em um projeto de racionalização científica, o processo educativo em alimentação parte da premissa de que o padrão alimentar do brasileiro deveria mudar, sobretudo em relação às camadas mais pobres da população, como decorrência das precárias condições socioeconômicas em que se encontravam inseridas. A concepção de uma ração ideal foi objeto de várias intervenções educativas voltadas à coletividade. Hoje, a crítica a um padrão alimentar deficiente em relação ao consumo de verduras, legumes e frutas, além de ressaltar condições higiênico-sanitárias insuficientes, se aprofundou com as demandas de Segurança Alimentar e Nutricional em defesa do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), mas se renova com estratégias educativas com base em sensibilidades para a cultura local e complexos processos de subjetivação emergentes neste cenário de hipermodernidade.

Nesse espaço, as novas tecnologias, centradas na virtualidade e na velocidade da informação, disseminam no plano virtual de comunicação um vasto e incontrolável repertório de significados circulantes em zonas on line de livre acesso, para todos os cantos do Brasil, promovendo transformações nas conexões sociais. No entanto, embora as Políticas Públicas em alimentação e nutrição marquem um avanço na consolidação do DHAA, o processo de modernização não transformou a condição perversa de desigualdade social na organização social brasileira. Ao contrário, aprofundou a violência simbólica revestida por semblante progressista liberal, como se todos tivéssemos a mesma chance, como se o mundo fosse ‘Darwinisticamente’ favorável aos ‘bons’ em um processo de seleção natural.

A condução de um pensamento crítico de EAN tem a intenção de reconhecer ideologias, pois não podemos ceder aos vícios teóricos e/ou metodológicos de isolar as condições sociais e econômicas das políticas. As ideologias são parte do jogo político que embala a EAN e precisam estar em constante debate. É preciso, sobretudo, criticar nossos próprios rumos. No contexto de ideologias duvidosas e silenciadas, apostamos no pensamento crítico e ético como a melhor ferramenta de EAN, cientes de que a universidade precisa escapar à posição de desvalida e prejudicada, reconstruindo continuamente seus discursos e ações educativas. Apostamos na combinação entre informação e reflexão para que, estando mais conscientes de nossas limitações, possamos dispor de nós mesmos na condução de nossas vidas para rumos emancipatórios.

Neste temático apresentamos cinco artigos em torno das práxis de Educação Alimentar e Nutricional. O artigo “Análise de planos de ensino de educação (alimentar e) nutricional nos cursos de nutrição” analisa a construção coletiva de iniciativas contemporâneas e documentos como o Marco de Referência de EAN para as Políticas Públicas, dando visibilidade à troca de experiências e saberes que sustentam esse processo. Na mesma motivação de uma construção coletiva, o artigo “Cooperação internacional em segurança alimentar e nutricional: sistematização de práticas educativas participativas,  contextualizadas e intersetoriais” evidencia como as diferentes técnicas pedagógicas adotadas contribuíram para uma construção compartilhada de concepções sobre Segurança Alimentar e Nutricional, primando pela valorização da participação dos sujeitos sociais e das peculiaridades da alimentação nos diferentes contextos socioeconômicos e culturais.

O artigo sobre a elaboração sistemática de um “Instrumento imagético de educação alimentar e nutricional para alimentação saudável” está voltado para prevenção e tratamento da obesidade, assim como para promoção da alimentação saudável, o que reforça o caráter de utilidade pública de EAN evitando que se faça uma ruptura prática/teoria. E, nesse sentido, com vistas a problematizar e subsidiar ações de EAN sob a lente do pensamento complexo, o artigo “Compulsão alimentar sob um olhar complexo: subsídios para a práxis da educação alimentar e nutricional” problematiza os transtornos do comportamento alimentar e articula o plano teórico com a empiria, de modo a evidenciar a necessidade de projetos singulares que incorporem as experiências de vida e a subjetividade dos atores alvos das ações.

Por fim, no artigo “A atenção nutricional ao Pré-natal e Puerpério: relato de experiência em um município do litoral Paulista”, as autoras relatam a experiência de parceria universidade/serviço na implantação de Atenção Nutricional ao Pré-natal e Puerpério tendo como foco a EAN, que permitiu o desenvolvimento de ações de vigilância ao pré-natal, além do vínculo entre gestantes/puérperas e equipes.

Estas foram pesquisas e reflexões desenvolvidas em um cenário contraditório em que, tanto a fome, quanto a obesidade são estéticas atrozes de um tipo de modernização, por isso reforçam o pensar crítico na intenção de que este seja um material para modular os planejamentos de ações educativas e abrir brechas para cada leitor avaliar as condições que lhe são favoráveis para desenvolver práticas efetivas, democráticas e fundamentadas de Educação Alimentar e Nutricional.

 

 

Roberto Lent: como a neurociência pode contribuir para a educação?

Autor do livro “Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência” (Atheneu, 2002), o neurocientista Roberto Lent fala sobre os desafios de levar o conhecimento produzido nos laboratórios de neurociência para a sala de aula.

O vídeo foi publicado na página do Youtube da Mente e Cérebro, em fevereiro de 2015. Sobre o seu livro, leia a matéria publicada no site da Faperj, apoiadora do projeto, na época do seu lançamento.